Foi um dia, havia três moças já órfãs de pai e mãe. Uma vez, elas estavam todas três na sacada de seu sobrado, quando viram passar o rei. A mais velha disse:
- Se eu me casasse com aquele rei, fazia-lhe uma camisa como ele nunca viu.
A do meio disse:
- Se eu me casasse com ele, fazia uma ceroula como ele -nunca teve.
A caçula disse:
- E eu, se me casasse com ele, paria três coroados.
O rei ouviu perfeitamente a conversa. Quando foi no dia seguinte, foi ter à casa das moças e lhes disse:
- Apareça a moça que disse que, se casasse comigo, paria três coroados.
A moça apareceu, e o rei levou-a, e casou-se com ela.
As irmãs ficaram com muita inveja, mas fingiram não ter. Quando a moça apareceu grávida, as irmãs meteram-se dentro do palácio, com aparência de ajudá-la em seus trabalhos. Aproximando-se o tempo de dar a rainha à luz, as suas irmãs se ofereceram para servi-la e dispensar a parteira.
Chegado o dia, elas se muniram de um sapo, uma cobra e um gato. Quando nasceram os três coroados, elas os esconderam dentro de uma bolsa e mandaram largar no mar. Apresentaram, então, ao rei os três bichos, dizendo:
- Aí estão os coroados que aquela impostora pariu.
O rei ficou muito desgostoso e mandou enterrar a mulher até os peitos, perto da escada do palácio, dando ordem a quem por ali passasse para cuspir-lhe no rosto. Assim se fez.
Mas um velho pescador encontrou no mar a bolsa, apanhou-a e abriu e encontrou os três meninos, ainda vivos e muito lindinhos. Ficou muito alegre e levou-os para casa para criar. A velha, sua mulher, se desvelou muito no trato das crianças. Quando os meninos cresceram, a ponto de poderem ir para a escola, foram e passavam sempre pelo palácio do rei. As cunhadas dele viram, por vezes, passar os meninos e os conheceram.
Um dia os chamaram e se puseram com muitos agrados com eles e lhes deram de presente três frutas envenenadas, a cada um a sua. Os meninos comeram as frutas e viraram todos três em pedra. Os velhos ficaram muito aflitos com aquilo, e toda a cidade falou no caso.
Mas a velha, que era adivinha, disse ao marido:
- Não tem nada. Eu vou à casa do Sol buscar um remédio para as três pedras virarem outra vez em gente.
Partiu montada a cavalo.
Depois de andar muito tempo, encontrou um rio muito grande e bonito. O rio disse-lhe:
- Ó minha avó, aonde vai?
A velha respondeu:
- Vou à casa do Sol para ele me ensinar que remédio se deve dar a quem virou pedra para tornar a virar gente.
O rio lhe disse:
- Pois então pergunte também a ele a razão por que, sendo eu um rio tão bonito, grande e fundo, nunca criei peixe.
A velha seguiu. Adiante encontrou um pé de fruta muito copado e bonito, mas sem uma fruta. Ao avistar a velha, a árvore disse:
- Aonde vai, minha velhinha?
- Vou à casa do Sol buscar uma mezinha para gente que virou pedra.
- Pois pergunte a ele a razão por que, sendo eu tão grande, tão verde e tão copada, nunca dei uma só fruta.
A caminheira seguiu. Depois de andar muito, passou pela casa de três moças, todas três solteiras e já passando da idade de casar. As moças lhe disseram:
- Aonde vai, minha avó?
A velha contou aonde ia. Elas lhe pediram para indagar do Sol o motivo por que, sendo elas tão formosas, ainda se não tinham casado. A velha saiu e continuou a caminhar. Ainda depois de muito tempo é que chegou à casa da mãe do Sol.
A dona da casa recebeu-a muito bem. Ouviu toda a sua história e encomendas que levava e escondeu-a em razão de seu filho não querer estranhos em sua casa, e quando vinha era muito zangado e queimando tudo. Quando o Sol chegou, vinha desesperado e estragando tudo o que se achava:
- Fum… aqui me fede a sangue real!… aqui me fede a sangue real!…!
- Não é nada não, meu filho, é uma galinha que eu matei para nós jantar.
Assim a mãe do Sol o foi enganando, até que ele se aquietou e foi jantar. Na mesa de jantar, sua mãe lhe perguntou:
- Meu filho, um rio muito fundo e largo por que é que não dá peixe?
- É porque nunca matou gente.
Passou-se um pouco de tempo e a velha fez outra pergunta:
- E uma árvore muito verde e copada, por que é que não dá fruta?”
- Porque tem dinheiro enterrado embaixo.
Pouco tempo depois outra pergunta:
- E umas moças bonitas e ricas, por que não se casam?
- Porque costumam mijar para o lado em que eu nasço.
Deixou passar mais um tempinho e perguntou:
- E qual será o remédio para gente que tiver virado pedra?
Aí o Sol enfadou-se e disse:
- O que querem dizer hoje essas perguntas?
A mãe respondeu:
- Não é nada, meu filho. Eu é que, às vezes, porque vivo aqui sozinha, me ponho a imaginar essas tolices.
O Sol foi e respondeu:
- O remédio é tirar da minha boca, quando eu estiver comendo, um bocado e botar em cima da pedra.
A velha, daí a pouco, fingiu um espanto, levou a mão à boca do Sol e tirou o bocado, dizendo:
- Olha, meu filho, um cisquinho na comida.
E guardou o bocado. Daí a pedaço a mesma coisa.
- Olha um cabelo, meu filho.
E escondeu mais um bocado. Numa terceira vez, ela fez o mesmo, e o Sol se levantou aborrecido, falando:
- Ora, minha mãe, seu de comer hoje está muito porco. Não quero mais.
Deitou-se e, no dia seguinte, foi-se embora para o mundo. Sua mãe foi à velhinha, que estava escondida, e lhe contou tudo, dando os três bocados. A velha pôs-se a caminho para trás.
Passando por casa das moças, aí dormiu, sem querer dizer a razão por que elas não casavam. No dia seguinte, bem cedo, ela levantou-se, e as moças também. Elas correram logo para o lugar onde costumavam urinar, voltadas para o nascer do sol. A velha as repreendeu, dizendo:
- É esta a razão de vocês não se casarem. Percam esse costume de mijar para a banda donde o sol nasce.
As moças assim fizeram e logo acharam casamento. A andadeira tomou o seu caminho e foi-se embora a toda a pressa.
Chegando à fruteira, pôs-se debaixo dela a cavar, sem dizer nada. Quando puxou um grande caixão, então disse por que a fruteira não dava frutas. O pé da árvore começou logo a carregar que parecia praga. A velha seguiu.
Ao chegar ao rio, ele lhe indagou do seu recado:
- Logo lhe digo.
E a velha foi passando depressa. Quando se viu bem longe, gritou:
- É porque você nunca matou gente.
O rio botou logo uma enchente tão grande, que por um triz, não matou a velha.
Afinal, foi ela ter em casa. Sem mais demora, aplicou os três bocados em cima das três pedras, e os meninos se desencantaram. A notícia dessas coisas chegou aos ouvidos do rei. Ele mandou um dia convidar o velho com os três meninos para jantarem em seu palácio. O velho não quis ir, nem mandou os meninos. O rei o intimidou até que foram os meninos. Mas a velha ensinou aos meninos:
- Quando vocês lá chegarem, meus filhinhos, que passarem pela escada, se ponham de joelhos e tomem a bênção àquela pobre mulher que lá está enterrada, parecendo um cadáver, porque é a mãe de vocês. No jantar, não queiram ir para a mesa sem que o rei mande desenterrá-la e botar também à mesa. Quando ele der a cada um o seu prato, não comam e deem todos os três a ela, que os há de devorar num instante, pois está morta de fome. Aí as duas moças que lá têm, que são tias de vocês, hão de dizer: ‘Que barriga de monstro que cabe três pratos de uma só vez!’ A isso vocês respondam, tirando os bonés e dizendo: ‘Não é de admirar que caiba três pratos de comida, quando coube três coroados’ e mostrem ao rei as cabeças.”
Assim foi: os meninos executaram fielmente as recomendações da velha. (Todas as coisas se repetiram pela forma indicada pela velha adivinha, com grande surpresa para o rei e despontamento para as duas infames malfeitoras). Tudo acabado, o rei ficou vivendo com sua mulher, que voltou à sua antiga beleza, e os seus filhinhos no palácio. Aí o rei perguntou aos filhos o que eles queriam que ele fizesse às duas danadas. Os meninos responderam que ele mandasse buscar quatro burros bravos e as amarrassem nos rabos. Assim fizeram, e elas morreram lascadas ao meio.