Pedro e Paulo eram vizinhos. O primeiro pobre, paupérrimo mesmo. Vivia com os dez filhos, numa casinhola de dois cômodos. O segundo era muito rico. Morava numa vivenda cômoda e bela.
Pedro era uma pessoas de caráter alegre. Não se deixava acabrunhar pela miséria. Aos que se admiravam pela sua serenidade, respondia sempre a rir:
- Sou alegre e sadio. Trabalho com boa disposição, o que dá bom apetite e sono tranquilo. Quem trabalha bem disposto enfrenta alegre e má sorte. E é feliz. E a má sorte bate hoje, bate amanhã. E acabará se cansando. E termina se indo embora. E, então, chegará a vez da boa sorte, com os cestos e as mochilas completamente abarrotadas das boas coisas.
Quanto a Paulo, por incrível que pareça, não fazia outra coisa, a não ser se queixar da sua própria sorte. Quem o escutasse mal suspeitaria que seus celeiros, suas dispensas, seus redis, estivessem cheios. A avareza, a avidez e a suspeita lhe roubavam toda alegria de viver.
Pedro tinha um galo - sua única riqueza. “E por que é que eu tenho este galo?” - ele pensou um dia. “Eu devia era fazer uma festa e jogá-lo na panela. Mas nós, na família, somos tantos. O galo, sozinho, não dá para satisfazer ninguém. E, assim, iria acender, nos estômagos, a exacerbação do desejo de comer mais, porém sem possibilidade. Então, eu posso vender o bicho e comprar, com o produto da venda, bastante pão, uma quantidade suficiente para todos. Mas, para isso, tenho que ir à feira, na cidade. Eu sei que é uma viagem longa, mas que, entre ida e volta, furtaria uns dois dias de meu trabalho”.
Sem meditar muito no gesto, o bom homem pegou o galo e foi levá-lo a um rico senhor feudal, que residia nos arredores. O homem acolheu o presente com muita satisfação e convidou Pedro a jantar com ele.
O cozinheiro do nobre senhor, muito hábil, soube fazer do galo um assado apetitoso.
O dono da casa, que gostava de gracejos, propôs um jogo ao visitante:
- Aqui está o galo, está vendo. Pois, nós somos sete: eu, minha mulher, meus dois filhos, minhas duas filhas e você. Agora, trate de repartir a ave, sensatamente. E, se não conseguir, você vai pagar com as costas, que receberão doze bastonadas.
Pedro não perdeu nem a calma, nem a alegria. Cortou a cabeça do galo e pô-la no prato do feudatário.
- O senhor é o rei desta família. É a cabeça da casa. Por isso, o senhor vai ficar com a cabeça do galo.
Depois, cortou o pescoço do galo e entregou-o à senhora do do dono do castelo e lhe disse:
- Como o pescoço é uma continuação da cabeça, assim a senhora é a continuação da autoridade do seu marido, em casa. Assim, aqui está o seu pedaço, senhora.
Aos dois rapazes, Pedro distribuiu as asas, dizendo-lhes:
- Vocês dois imaginam voar, ir pelo mundo, conquistar o espaço. Isso é justo, justíssimo. Então, podem comer as asas, que são o símbolo da impaciência, do orgulho feliz da juventude.
Para as duas meninas, caíram as duas pernas do galo. E Pedro lhes disse:
- Para as duas, que amam tanto a dança, qual coisa poderia ser melhor que os pés?
A sétima porção sobraram peito e coxas. Pedro, inteligentíssimo e esperto, reservou-as para si mesmo.
Vendo aquela divisão, o feudatário divertiu-se muito. Também a família se divertiu bastante. E Pedro, após ter partido o galo, recebeu de presente, antes de partir para casa, uma vaca, um porco, seis ovelhas e vinte galinhas.
Quando Paulo, o homem rico e ávido, soube que o vizinho, em troca de um simples galo, recebeu tanto, sentiu morder-lhe o fígado a serpente da inveja. E, muito calculista, pensou: “Se eu levar ao senhor feudal cinco galos, ganharei, de presente, cinco vezes melhor do que o dado a Pedro. Assim, ele pegou cinco vistosos galos do seu galinheiro e lá se foi com eles.
- Meu senhor, agradeça a minha oferta, disse Pedro ao senhor feudal. - São aves muito novas, elas têm a carne bem tenra e, além disso, foram tratadas com alimentos finos.
O senhor feudal compreendeu logo aonde o avarento vizinho queria chegar. Mas não se deu por achado. Agradeceu-lhe cortesmente e convidou-o para jantar no castelo.
Quando o cozinheiro mandou para a mesa os cinco galos, tão bem assados que pareciam de ouro velho, o dono da casa propôs um jogo ao visitante.
- Agora, meu amigo, você sabe que somos sete pessoas aqui na minha família. Pois eu proponho, agora, que você divida os cinco assados para nós sete. Se você fizer a divisão com bom senso e se você nos revelar inteligência aguçada, você vai receber um belo presente. Mas, em caso contrário, você vai levar sessenta bastonadas nas costas.
Paulo não sabia como se sair dessa enrascada. De repente, quando olhou pela janela, viu Pedro, lá em baixo. Chamou-o imediatamente:
- Amigo e vizinho, ajude-me a eu sair dessa enrascada. Eu preciso dividir os cinco frangos, em sete partes.
- A sétima parte, disse o esperto ao senhor feudal, suponho que fique sendo a minha.
- Certamente, respondeu-lhe o feudatário. E, apontando para Paulo, com desprezo, concluiu: - Aquele está fora de cogitações.
Pedro sorriu.
- Achei. Vou me deixar guiar pela lei de um belo número, muito apreciado de Deus e da natureza: o número três. Três são as pessoas da Santíssima Trindade; três são os meses de cada estação; três… Bem seria um nunca acabar se fôssemos citar todos os “três” do mundo. Mas, ilustre senhor e ilustre dama, os senhores são dois. Acrescento o galo que é para os senhores e eis a cifra exata: três ao todo. Outros três, eu os formo com os dois mocinhos e um galo. Enfim, promovo a união feliz de um galo com as duas mocinhas, e aí está o terceiro três. E eu, homem pobre e modesto, exaltarei o número privilegiado, acrescentando à minha apagada pessoa o quarto e o quinto galo.
A família toda aplaudiu alegremente mais esta prova de sagacidade e bom humor do camponês. E todos comeram alegremente e com grande apetite, pois não há melhor tempero do que uma alegre disposição. Pedro teve dó do parceiro, e pediu que lhe fossem perdoadas as bastonadas, bem como se lhe outorgasse um de seus dois galos. O senhor feudal louvou muito os bons sentimentos do homem. Fez-lhe presente de mais vinte vacas, vinte porcos trinta ovelhas e cento e vinte cabras. Todos os meses Pedro era convidado a sentar-se à mesa do senhor feudal.