Havia, uma vez, um rei tão apaixonado pela caça que não conhecia maior divertimento que perseguir animais ferozes. A todo instante, percorria a floresta acompanhado pelo falcão e pelo lebréu. E sempre tinha extraordinária sorte.
Um dia, sucedeu-lhe não encontrar a menor caça, apesar de investigar em todas as direções, desde manhãzinha. Quando a noite caiu, e ele quis voltar para casa, viu um anão, ou homem selvagem, correr na sua frente. Imediatamente, esporeou o cavalo e, agarrando o anão, verificou que era pequenino e feio, como verdadeiro monstrinho. Ele tinha os cabelos duros como palha de feijão. Apesar de lhe dirigir inúmeras perguntas, não obteve resposta. Aborrecido, o rei ordenou aos criados que vigiasse bem aquela criatura tão selvagem, para que ele não escapasse. E rumou para o palácio.
Disseram-lhe, então, os servidores:
- Majestade, mantenha esse selvagem prisioneiro na sua corte, para que todos, nas cercanias, reconheçam o seu valor como caçador. Mas mantenha-o de tal maneira que ele não consiga safar-se, pois ele é falso e traiçoeiro.
O rei, ouvindo tais palavras, calou-se por algum tempo. Depois, disse aos servidores:
- Vou fazer o que me aconselharam. Não será culpa minha se esse selvagem escapar. Juro, no entanto, que quem o deixar fugir morrerá, nem que se trate do meu próprio filho.
Na manhã seguinte, ao se acordar, o rei lembrou-se da promessa. Mandou, imediatamente, buscar madeira, boas vigas, para construir uma casinhola, ou espécie de jaula, bem perto do castelo. A casinha, munida de excelentes fechaduras e ferrolhos, não corria o perigo de ser arrombada. Bem no meio de uma das paredes, um buraco permitia que fosse dado alimento ao selvagem prisioneiro.
Depois de tudo pronto, mandou o rei que trouxessem o anãozinho. Fê-lo entrar na casinha, e o rei guardou consigo as chaves. O pobre anão passou, assim, a ser prisioneiro. O povo curioso ia vê-lo. Ninguém, contudo, lhe ouvia queixas.
Passou-se algum tempo. De repente, o país meteu-se numa guerra, e o rei teve de partir para a frente. Ao despedir-se da rainha, disse-lhe:
- Você, agora, governará em meu lugar. Entrego aos seus cuidados o país e o povo. Mas vai prometer-me que guardará severamente o selvagem, e tudo fará para que ele não escape durante a minha ausência.
Prometeu-lhe a rainha que envidaria todos os esforços possíveis. E o rei entregou-lhe a chave da casinhola. Em seguida, mandando que a tripulação do seu barco levantasse as âncoras e içasse as velas, partiu para bem longe.
Tinham o rei e a rainha um único filho. Um príncipe ainda pequeno, mas que prometia grandes coisas. Quando o rei partiu, sucedeu que o menino, estando a passear pelo pátio do castelo, se aproximou da casinhola do anão. Ia brincando com a sua maçã de ouro. Ela, subitamente, entrou pela janelinha aberta, na parede da casa do anão. E foi cair nas mãos do anão que, imediatamente, a devolveu ao menino aflito.
O menino, achando divertida a brincadeira, jogou-a de novo para dentro. E o selvagem a atirou para fora. Assim, distraíram-se os dois por algum tempo. Dali a pouco, aquilo terminou tristemente. O anão, segurando firme a maçã de ouro, não quis mais devolvê-la. De nada valeram ameaças nem rogos. O menino, finalmente, pôs-se a chorar amargamente. Disse-lhe então o selvagem:
- Seu pai andou muito mal em me aprisionar. Se não me libertarem, nunca mais você receberá a sua maçã.
- Mas eu não posso deixá-lo sair, gritou o pobre príncipe.
- Me devolva minha maçã de ouro. Me devolva minha maçã de ouro.
- Olhe, faça o que lhe peço, retrucou o selvagem. - Vá agora mesmo procurar sua mãe, a rainha, e peça-lhe que lhe cate os piolhos. Enquanto ela assim fizer, trate de lhe tirar a chave da cintura. Desça e abra-me a porta. Depois, reporá a chave no lugar. E ninguém vai saber coisa nenhuma.
O príncipe não teve outra solução, a não ser obedecer ao selvagem. Correndo para o aposento em que se achava a sua mãe, pediu-lhe que lhe catasse os piolhos. E, sem perda de tempo, roubou-lhe da cintura a chave da casinhola do anão. Assim o menino fez. E, ao se ver livre, o anão disse ao príncipe:
- Devolvo aqui sua sua maçã de ouro, conforme o trato. Muito lhe agradeço a liberdade que me proporcionou. Quando precisar de mim, saberei ajudá-lo. Não duvide.
Afastou-se. O príncipe, voltando para junto de sua mãe, repôs habilmente a chave no mesmo lugar.
Quando na corte se soube que o selvagem desaparecera, houve enorme indignação. A rainha mandou emissários em todas as direções. Mas o selvagem continuou desaparecido. A rainha foi ficando cada vez mais triste, pois esperava, a qualquer instante, o regresso do marido.
Não tardou o rei retornar. Ao desembarcar, a sua primeira pergunta foi para indagar se haviam zelado bem do anão. Aí a pobre rainha viu-se obrigada a confessar o que sucedera. E o rei, todo enfurecido, começou a gritar que queria punir o causador do desaparecimento, fosse ele quem fosse. Logo todos os cortesões e criados foram convocados. Mas ninguém sabia de nada. Finalmente, chegou a vez do príncipe, que disse ao rei, seu pai:
- Sei muito bem meu pai que incorro na sua cólera. Mas não posso ocultar do senhor a verdade: quem libertou o selvagem fui eu.
A rainha, ouvindo tais palavras, empalideceu mortalmente. Os demais presentes também, porque amavam o herdeiro da coroa. O rei tomou a palavra:
- Ninguém dirá que não cumpri o prometido, mesmo que se trate da minha própria carne e do meu próprio sangue. Meu filho será morto.
Ordenou que levasse o menino à floresta e, lá, dessem cabo dele. Depois, trouxesse o coração do príncipe, como prova de que a ordem fora devidamente executada.
Todos, mais que pesarosos, suplicaram ao rei em favor do infeliz. Mas era irrevogável a decisão do soberano. Assim, os criados, não ousando outra coisa senão obedecer ao rei, levaram o menino para a floresta.
Quando já estavam bem entrados na floresta, viram um pastor guardando uma vara de porcos. Disseram entre si:
- É uma pena matar o príncipe. Compremos, pois, um desses porcos, matemo-lo, arranquemos-lhe o coração e levemo-lo ao soberano. Todos pensarão que é realmente o coração do nosso querido príncipe.
Dito e feito. Compraram do pastor um dos porcos, mataram-no e arrancaram-lhe o coração. Em seguida, pediram ao príncipe que nunca mais voltasse. Quanto a eles, regressaram para a corte. É fácil imaginar a tristeza geral diante da suposta morte do infeliz herdeiro.
O príncipe, abandonado na escura floresta, começou a caminhar, comendo apenas nozes e bagas silvestres. Depois de andar muito, chegou a uma montanha, em cujo topo se erguia altivo pinheiro. O menino pensou: “Eu vou subir a montanha. Mas, antes, vou subir este pinheiro. De lá de cima, descobrirei o caminho que me leve a um bom paradeiro”.
Foi dizer e fazer. No topo da árvore, olhou para todos os lados. E avistou distante, muito distante, um belo e grande castelo, brilhando ao sol. Contentíssimo, desceu e pôs-se a caminhar naquela direção.
Pelo caminho, encontrou um criado arando. Pediu-lhe que trocasse com ele de roupa. Assim, vestido pobremente atingiu o castelo, entrou, pediu serviço. Aceitaram-no como pastor, para guardar o rebanho do soberano.
O príncipe, por motivo do trabalho, nunca saía do bosque. Mas com o tempo, se esqueceu da tristeza. E foi crescendo. Tornou-se extremamente corajoso. Não havia quem se lhe comparasse.
O rei daquele país tivera da rainha uma filha muito mais formosa que qualquer outra jovem. Além disso, a princesa era alegre e gentil. Quem a desposasse poderia chamar-se realmente de homem de sorte.
Quando a princesa completou quinze anos, apareceram inúmeros pretendentes, como bem se pode imaginar. Não obstante, ela os recusava a todos. E o número deles aumentava. Finalmente, disse a jovem um dia aos pais:
- Só receberá a minha mão de esposa quem completamente armado for capaz de galgar a cavalo a montanha de vidro.
A proposta da princesa pareceu excelente ao soberano. Logo concordou com o desejo da filha. E mandou anunciar, em todo o país, que a mão da princesa seria dada a quem galgasse o topo da montanha de vidro.
Chegado o dia anunciado pelo rei, foi a princesa conduzida à montanha. Lá, acomodou-se no topo, tendo, na cabeça, a coroa de ouro. E, na mão, a maçã de ouro. Era tão linda tão maravilhosa que não havia quem não desejasse, de muita boa vontade, arriscar a vida, para conquistá-la.
Ao pé da montanha, reuniram-se todos os pretendentes, usando esplêndidas armaduras e montando em magníficos ginetes. As armaduras faiscavam aos raios do sol. O povo acudira de todas as partes.
Quando tudo ficou pronto, foi dado o sinal de início a toque de clarim. E, imediatamente, os candidatos, um depois do outro, empreenderam a subida.
Mas a montanha era bem alta e lisa, como gelo. Além disso, íngreme a valer. Ninguém, então, conseguiu subir mais do que alguns passos. Todos rolaram para baixo. E houve braços e pernas quebradas. A gritaria era medonha, aumentada ainda pelo relinchar desesperado dos cavalos, pelos brados do povo e pelo tinir das armaduras. O tumulto ouvia-se de longe.
Entretanto, o nosso príncipe, com o seu gado, achava-se bem no coração da floresta. Ouvindo de repente toda aquela gritaria, e o tinir das armaduras, sentou-se numa pedra, apoiou o rosto na mão e pôs-se a pensar. Teria gostado bastante de participar daquela aventura. Subitamente, ouviu passos. Erguendo os olhos, reconheceu o selvagem na sua frente.
- Mais uma vez obrigado, meu rapaz. Por que está aqui sentado, tão solitário e triste?
- Ora, retrucou o príncipe, é claro que devo estar triste. Por sua causa, vi-me obrigado a exilar-se do meu país. Agora não tenho cavalo nem armadura para galgar o topo da montanha de vidro e conquistar a mão da princesa.
- Ah, disse-lhe o selvagem, se é só disso que se trata, posso ajudá-lo. Noutros tempos, quem me ajudou foi você. Agora, é minha vez.
Após dizer isso, pegou a mão do príncipe, levou-o para o interior da terra, entraram numa caverna, onde havia uma armadura toda de aço e tão lustrosa que parecia faiscar. Ao lado, pateava o chão esplêndido ginete, já selado e defendido por forte couraça. Mordia as rédeas, e a espuma muito branca caía ao chão. O selvagem, voltando-se para o príncipe, ordenou-lhe:
- Vista-se imediatamente, monte o cavalo e tente a sorte. E eu vou ficar aqui, tomando conta de seu gado.
O príncipe não deixou que ele repetisse a ordem. Ajustou o elmo e a couraça, colocou as esporas e cingiu a espada. Sentia-se tão leve na armadura de aço, como um pássaro no ar. Depois, montando, cavalgou velozmente, em direção à montanha.
Os pretendentes da princesa estavam precisamente abandonando a luta. Ninguém conseguiu ter êxito, apesar de todos darem o melhor dos seus esforços. Conversando, consolavam-se, pensando que a sorte de outra feita lhes seria mais favorável. Mas, de repente, eles viram surgir, da floresta, um cavaleiro, que cavalgava em direção da montanha. O aço cobria-o da cabeça aos pés. O seu porte a cavalo era majestoso. Todos fitaram o olhar naquele cavaleiro estranho, perguntando-se quem seria, pois jamais o haviam visto. Só que não lhes sobrou muito tempo para comentários.
Mal o cavaleiro saiu da floresta, ergueu-se nos estribos, esporeou o animal e, sem perda de tempo, enfrentou a montanha de vidro. No meio da encosta, porém, virou o cavalo e desceu tão depressa que, dos cascos, saía uma nuvem de faíscas. Em seguida, desapareceu na floresta. É fácil imaginar a excitação entre os assistentes. Não havia quem não tivesse ficado fortemente alegre com a atitude trágica do estranho cavaleiro.
Passou-se algum tempo. De novo, tentaram os vários pretendentes a sorte. Mas uma vez, foi a princesa conduzida ao topo da montanha de vidro, luxuosamente trajada, e deixada, no topo, com a coroa de ouro na cabeça e a maçã de ouro na mão. Ao pé da montanha, reuniram-se todos os pretendentes com os seus vistosos ginetes e pomposas armaduras. O povo, em volta, preparava-se para assistir à competição. Tudo pronto. Foi dado o sinal, com toques de clarim. E os pretendentes, um depois do outro, procuraram galgar o forte aclive. Mas sucedeu, como na primeira tentativa. Ninguém pode subir mais do que um pedacinho apenas, para em seguida tombar. Era grande o tumulto: os cavalos relinchavam desesperadamente, o povo gritava, as armaduras tiniam…
Enquanto tudo isso se verificava, o jovem príncipe cuidava dos bois, como era seu dever. Ouvindo o barulho e o tinir das armas, sentou-se numa pedra, apoiou o rosto à mão e pôs-se a chorar, pensando na formosa filha do soberano. E desejava ardentemente estar entre os que a pretendiam para esposa. De súbito, ouviu passos. E viu, na sua frente, o selvagem.
- Bom dia senhor, disse o selvagem. Por que está aí sentado tão tristemente e tão sozinho?
- Não me faltam motivos para estar triste. Por sua causa, fui obrigado a fugir do reino de meu pai. E, agora, não tenho cavalo nem armadura, para galgar a montanha e conquistar a mão da formosa princesa.
- Ah, retrucou o selvagem, se é isso, posso ajudá-lo. Noutros tempos, quem me ajudou foi você. Agora, pois, é minha vez.
Depois de dizer isso, pegou o rapaz pela mão e levou-o para a sua caverna, metida nas profundezas da terra. Havia, na caverna, pendente da parede, uma armadura feita de prata e tão límpida que brilhava de longe. Ao lado, um cavalo, devidamente selado e armado, pateava o chão, com os seus cascos de prata. Mordia o cabresto, e a cauda chegava-lhe ao solo.
O selvagem, voltando-se para o príncipe, ordenou-lhe:
- Vista-se imediatamente, cavalgue esse ginete, e tenha a sorte. Eu vou ficar aqui vigiando os bois.
O príncipe, mais do que ansioso, não esperou que o selvagem repetisse aquelas palavras. Imediatamente, ajustou o elmo e a couraça, colocou as esporas e cingiu a espada. Depois, sentindo-se, apesar de metido em pesada armadura, leve como um pássaro no ar. Pulou para a sela, empunhou as rédeas e rumou velozmente para a montanha de vidro.
Os pretendentes da princesa estavam prestes a desistir novamente. Ninguém conseguira o intento, apesar de todos os esforços. Estavam refletindo que, muito provavelmente, a sorte lhes seria mais favorável de outra feita. De repente, avistaram vindo da floresta um jovem que, resolutamente, tomou a direção da montanha. Envolviam-no da cabeça aos pés o elmo e a armadura. Trazia poderoso escudo, cingia luminosa espada, e o seu porte era tão maravilhoso que ninguém podia afirmar já ter visto outro cavalheiro semelhante. Todos os olhos se fitaram nele e todos reconheceram o mesmo jovem da vez anterior. Só que não lhes deu o príncipe muito tempo para assombrá-los.
Mal o rapaz pisou a planície, ergueu-se nos estribos, esporeou o animal e galgou velozmente a íngreme montanha. Não atingiu, porém, o cume. Chegou muito perto e, ainda, saudou cortesmente a linda princesa. Virou o cavalo e desceu tão depressa que os cascos do animal soltavam nuvens de faíscas. Em seguida, desapareceu, como um vendaval, na floresta. Quem não imaginava aquela excitação de todos os presentes maior que da primeira vez? Todos concordaram não haver, em parte nenhuma, cavalo mais esplêndido nem cavaleiro mais majestoso.
Passou-se algum tempo. E o rei fixou outro dia para os pretendentes. Era, então, a terceira tentativa. Mais uma vez foi a princesa conduzida à montanha de vidro, no cume. Sentou-se, tendo a coroa de ouro na cabeça e a maçã de ouro na mão, tal qual as outras duas vezes.
Ao pé da montanha, reuniram-se os pretendentes, montando belos animais e exibindo brilhantíssimas armaduras, tão belas como nunca tinham sido vistas. Em volta, preparava-se o povo para assistir à competição. Tudo pronto. Os pretendentes, um depois do outro, começaram a subir a íngreme encosta. Mas verificou-se o que já se tinha visto antes. A montanha, lisa como gelo, não permitiu que ninguém galgasse mais do que um simples pedacinho da ladeira, para depois tombar fragorosamente. Os cavalos relinchavam com desespero, o povo gritava, as armaduras e as armas tiniam, e o barulho entrava pela floresta.
O príncipe estava a cuidar dos bois, como sempre fazia. Ouvindo, porém, o tremendo barulho e o tinir das armaduras, sentou-se numa pedra, apoiou o rosto à mão e chorou amargamente. Pensava na formosa princesa, por quem seria capaz de dar a própria vida. Naquele momento, mais uma vez, apareceu o selvagem.
- Bom dia meu rapaz. E então, por que está sentado aí tão sozinho, tão triste?
- Tenho bons motivos para estar tão triste, disse-lhe o príncipe. - Por sua causa, me vi obrigado a fugir do meu país. E, agora, não possuo espada nem armadura, nem cavalo, para galgar a montanha de vidro e conquistar a mão da princesa.
- Ah, retrucou o selvagem, se é só isso, posso ajudá-lo. Noutros tempos, foi você quem me ajudou. Agora, é minha vez.
Assim falando, pegou a mão do príncipe e levou-o para a caverna aberta, bem no âmago da terra. Lá, mostrou-lhe uma armadura toda de ouro, tão brilhante que ofuscava de longe. Havia, ao lado, maravilhoso ginete selado, pateando o chão com os seus cascos de ouro, e mordendo o cabresto, enquanto a espuma da boca tombava ao solo. O selvagem, voltando-se para o príncipe, ordenou-lhe:
- Vista-se imediatamente, cavalgue e tente a sorte.
O príncipe não hesitou. Ajustou o elmo e a couraça, colocou as esporas, cingiu a espada e sentiu-se leve como um pássaro no ar. Montou-se no cavalo, empunhou as rédeas e cavalgou em direção à montanha de ouro.
Os pretendentes da princesa, naquele momento, iam abandonas as tentativas. Estavam pensando no que deveriam fazer, quando, subitamente, viram um jovem garboso sair da floresta e galopar diretamente para a montanha de vidro. Estava coberto de ouro da cabeça aos pés. Até o escudo e a espada eram de ouro, do mais puro. Era tal o seu porte que ninguém podia afirmar haver jamais visto outro guerreiro que se lhe comparasse. Imediatamente, todos os olhos fitaram para ele. E todos o reconheceram o mesmo estranho cavaleiro das duas vezes anteriores. O príncipe, porém, não lhes deixou muito tempo para conjeturas e comentários. Na planície, fincou os pés nos estribos, esporeou o corcel e, como relâmpago, galgou a íngreme encosta. Chegando ao cume, saudou a formosa princesa com extrema cortesia, ajoelhou-se diante dela. E, de suas mãos, recebeu a maçã de ouro. Voltou, então, o cavalo e desceu, com tal velocidade, que uma nuvem de faíscas envolveu os cascos de ouro do cavalo. Finalmente, desapareceu no coração da floresta. Foi incrível a excitação dos presentes. Todos irromperam em vibrantes aplausos, os clarins ressoaram, os cavalos relincharam, as armas tiniram. E o rei fez anunciar que o jovem forasteiro, coberto de ouro, conquistara o prêmio.
Não havia quem não ardesse de curiosidade para saber alguma coisa do cavaleiro de ouro, como os chamavam, pois ninguém o conhecia. Aguardava-se com ansiedade a sua chegada ao castelo. Mas ele não apareceu.
A princesa adoeceu. Quanto ao soberano, furioso, não sabia o que fazer. Os pretendentes começaram a murmurar e criticar. Não havendo outra solução, mandou finalmente o rei anunciar uma grande festa no castelo. Todos os súditos, sem exceção, deveriam comparecer, para que a princesa escolhesse, entre eles, o eleito.
Todos compareceram de muita boa vontade. Reunidos, a princesa, acompanhada de suas ancilas, caminhou entre os presentes. No entanto, muito embora examinasse bem, não conseguiu encontrar aquele a quem procurava. Até que, ao chegar à última fileira, viu um homem, tendo à cabeça um chapéu chato, e usando amplo manto cinzento, como os pastores, era como quase não se lhe via o rosto. Criando coragem, a princesa tirou-lhe o chapéu. Ao vê-lo, abraçou-o com efusão e gritou para todos ouvirem-na:
- Aqui está ele. Aqui está ele.
É claro que os presentes desataram a rir, pois que se tratava de um simples pastor. O próprio rei exclamou:
- Deus permita que eu suporte o genro que o destino me deu.
O suposto pastor, muito senhor de si, respondeu ao rei:
- Majestade, não se aborreça, que se o senhor é rei e eu sou príncipe, e dos bons.
Assim falando, atirou para longe o manto. Cessaram as risadas. Em vez do pastor, o que se via era um garboso e jovem príncipe, coberto de ouro da cabeça aos pés, e segurando a maçã de ouro, a que a formosa princesa lhe dera. Então, era ele mesmo, e não havia dúvida. E todos reconheceram o misterioso cavaleiro que conseguira galgar a montanha de vidro.
Realizou-se grande festa, jamais vista. E o príncipe recebeu a filha do soberano e a metade do reino. Desde então, viveram o rei com a esposa, e o sogro e a sogra, nos seus países, sempre muito alegres. Ainda devem estar vivos hoje. Nunca mais soube coisa alguma do selvagem.