Um velho rei tinha três filhos. Um dia, chamou os príncipes e disse-lhes:
- Desejo que vocês três formem famílias. Tratem de se casarem. Antes de eu morrer, quero ver, ao lado de cada um, uma companheira gentil e dedicada.
Os três decidiram, a fim de satisfazerem a vontade paterna. E saíram pelo mundo, à busca de casamento. Percorreram uma longa estrada, atravessaram um bosque, tomaram por uma vereda e chegaram à margem de um grande rio.
Uma velha estava ali, sentada à borda, olhando a água. E chorava lastimosamente.
- Que é que aflige, velhota? - perguntou afavelmente o irmão mais velho.
A velha parou de soluçar e, com um súbito clarão de esperança nos olhos úmidos, ela olhou os príncipes e lhes disse:
- É preciso que eu, dentro de três dias, encontre um homem disposto a se casar comigo. Em caso contrário, o lobisomem de cabeça de urso me jogará na sua enorme panela vermelha e fará de mim um prato para o seu horrível jantar. A panela já está no fogo, e a água já começou a ferver. Não estão ouvindo a água ferver?
Os jovens puseram-se a escutar, mas não ouviram nenhum rumor.
- Salvai-me, implorou a pobre velha. - Quem dos três quererá se casar comigo?
Darei muita alegria ao que for meu marido, pois tenho a alma límpida e saberei transformar minha gratidão em tesouros de dedicação.
O primeiro e o segundo príncipe olharam a velha com ironia, pensando que fosse louca. Murmuraram uma desculpa qualquer e tentaram se afastar a toda pressa. Mas o mais moço, muito compassivo, não teve coragem de deixar ali, ao abandono, uma pessoa que sofria muito, sem seu juízo, ou doida, não importava.
Vendo-a retornar ao choro, cuidou de consolá-la.
- Nada tema, minha boa velha. O lobisomem de cabeça de urso não terá a coragem de avizinhar-se. Com a minha espada, não se brinca.
- Bem se vê que você não conhece o lobisomem de cabeça de urso. Ele é um monstro terrível, alto como uma montanha. Na sua boca enorme, caberiam folgadamente dois veleiros, de três mastros cada um. Se você quiser fazer alguma coisa por mim, e se eu despertei em você alguma piedade, case-se comigo.
O jovem, dotado de ótima coração, não soube resistir as súplicas da velha. Ajudou-a a subir a garupa do cavalo e dirigiu-se à casa de sua madrinha, que era uma mulher sensata e benévola. Mas, quando ela viu a velha que o príncipe ia desposar, não soube dissimular a desaprovação. Todavia não negou ao jovem o favor que ele lhe pedia: hospedar a noiva, até o dia das núpcias. E, assim, depois disso, ele voltou para a corte.
- Estou contente por ver você já de regresso, disse o rei ao filho mais novo. - E a sua noiva?
- Está em casa da madrinha. É uma boa mulher.
- Linda? Gentil? Bem nascida?
- Meu pai, não me faça pergunta a respeito dela.
- Compreendo. Você tem um segredinho e quer mantê-lo. Seu casamento se realizará assim que seus irmãos voltarem com as suas noivas. Haverá um só dia de festa na corte, com os três casamentos.
Os dois outros voltaram pouco tempo depois. Falavam, com entusiasmo, das próprias noivas.
- O senhor verá, pai, disse-lhe o mais velho. - Não existe, no mundo, jovem mais linda e mais graciosa do que a sua futura nora. Filha de reis, e não desmerecerá o trono que for chamada a ocupar um dia.
- Veremos, veremos, sorria o pai muito contente.
- Minha noiva é uma flor de graça e de ternura, disse ao pai o segundo filho. E descreveu-a, com palavras de entusiasmo e arrebatamento, o rosto dela, como ainda as suas mãos e até as suas qualidades intelectuais e morais.
Só o terceiro príncipe permaneceu calado e humilhado. Não poderia fazer o elogio da velha, a que, num impulso de bom coração, se acorrentara com a sua palavra. Nada sabia sobre ela, quanto ao seu nascimento, suas virtudes, seu passado. E perturbava-o a ideia de que se avizinhava o instante de ter que apresentá-la. Talvez rissem dele e dela. Talvez seu pai se indignasse, incapaz de compreender o gesto de bondade, que o levara a assumir tão pesado compromisso. No entanto, de qualquer maneira, ele manteria a palavra dada, custasse o que custasse, tivesse que enfrentar o mundo inteiro.
Então, chegou o dia das tríplices bodas. Os dois príncipes mais velhos não cabiam em si, de radiantes. O terceiro, entretanto, parecia um cão espantado. Não é fácil, para qualquer leitor, imaginar com que ânimo o rapaz subiu para a carruagem branca, que o levaria à casa da madrinha, aonde iria buscar a noiva.
Ao chegar lá, a madrinha veio-lhe ao encontro, com um ar festivo, como que a dar-lhe os parabéns, pela belíssima escolha feita. Mas, por um momento, o rapaz hesitou-se entre o pensamento de que a boa mulher estivesse a zombar dele, ou de ela quisesse consolá-lo, pela canhestra escolha.
Agarrando o afilhado pela mão, a madrinha conduziu-o a um salão ricamente adornado, onde uma jovem, de beleza esplendente, com um lindo vestido branco de núpcias, bordado de pérolas, se entregava aos cuidados de um dúzia de damas de honor, que davam os últimos retoques.
O moço estacou surpreso. Por alguns instantes, esqueceu-se da aflição. Mas, depois, o pensamento da horrível velha volveu a tomar de conta do seu pensamento. E ele, suspirando para dentro de si mesmo, lembrou-se de que tinha um dever a cumprir. Não lhe era dado fascinar-se por nenhuma outra mulher, por maravilhosa que fosse a sua beleza, como era o caso daquela que lhe estava diante dos olhos.
Mas a moça, apenas o viu, sorriu-lhe. E caminhou de mãos estendidas:
- Meu querido noivo, estou pronta.
- Não. Não. Eu quero saber onde está a minha futura esposa. Aquela a quem emprenhei a minha palavra.
- Sou eu mesma, respondeu ela.
E a sua voz era melodista. E ele ouviu que cantavam, dentro da casa, hinos de triunfos e canções de ternura. Então a moça se explicou para o rapaz:
- Meu querido noivo, o lobisomem de cabeça de urso me havia transformado numa velha, para eu me tornar impossível de que alguém me aceitasse em casamento. Se você não tivesse, por pura bondade, acedido a minha súplica, a esta hora eu teria sucumbido nas fauces do monstro. Sua sublime misericórdia, seu desprendimento, me salvaram. Você vai, agora, ter a recompensa que merece.
A moça era filha de uma fada e de um rei, os quais haviam incorrido nas iras do monstro. Este desejara, nada mais, nada menos, casar-se com a fada. Mas, ao vê-la ter se casado com o rei, imaginara as mais doidas vinganças. Esperou pacientemente que a filha única do casal crescesse, desabrochasse na plenitude de todos os encantos e virtudes. E, quando todos imaginavam que o lobisomem se esquecera daqueles seus rancores, e a vigilância afrouxara-se, ele viera e dela se apoderara. De nada valeram todos os encantamentos que a mãe, aflita, empregou para quebrar o bruxedo. Mas a intervenção do príncipe resolvera tudo satisfatoriamente.
Quando o rei, os outros dois príncipes e suas esposas, os cortesãos, os convidados, os quais haviam vindo do mundo inteiro, das cortes mais longínquas para assistirem ao tríplice casamento, viram a noiva e ficaram deslumbrados. Ninguém resistiu ao impulso de se ajoelhar, numa homenagem sincera à glória daquela beleza sem par.
As núpcias celebraram-se com grande pompa. Entretanto, a esposa do irmão mais jovem atraiu as atenções de todos. As outras duas esposas pareciam, pelo efeito do contraste, descoradas, insulsas, desgraciosas. Efetivamente, nos dias que se seguiram, demonstraram ser ávidas, egoístas, prepotentes, causando terríveis desgostos aos maridos e arrependimento pela escolha feita. Quanto à outra, a belíssima, além do encanto físico, mostrava uma alma de eleição, uma inteligência aguda e aristocrática, a ponto de o velho monarca ver nela a rainha ideal para o seu povo. E, então, o rei renunciou ao trono, em favor do filho mais novo.
O casal reinou por dilatados anos, tendo feito o povo muito feliz e próspero.