A persistência leva
alguém à maestria e ao sucesso. Isso pensei ao entrar pelo portão interno de
uma escola estadual de Juazeiro do Norte, logo após eu conversar com Bigode.
Esse Mestre da Cultura cearense havia sido convidado, com seu grupo de
maneiro-pau, para fazer apresentação aos alunos.
Ao dar de cara com Bigode,
não me contive de alegria. Gritei seu nome. Agi mais pela saudade do meu tempo
de menino do que por ele haver recebido o título de Mestre da Cultura popular,
do Governo do Estado do Ceará. Fui logo lhe explicando que eu acompanhava a sua
vida de artista. Admirava também a sua luta difícil, a fim de não se deixar
desaparecer, em nossa cidade, o maneiro-pau.
De imediato, Bigode
agarrou-me o braço. Pondo o apito na boca, apitou por três vezes. Depressa,
vieram ao encontro do Mestre, quatro homens, em duas filas. Atrás deles, o
menino com o ganzá, acompanhado pelo senhor mais idoso com seu violão.
Arrodearam-me, formando círculo completo. Todos vestidos a cangaceiro: camisa e
calça azul, lenço vermelho amarrado ao pescoço, duas cartucheiras entrelaçadas
ao tronco. Logo Bigode foi me apresentando. O primeiro homem, o mais idoso no
maneiro-pau depois dele, era seu primo do coração e bocado de tempo um tocador
de corda. Os quatro homens, segurando os paus roliços, começaram de menino,
como aprendiz do maneiro-pau. Segundo Bigode, usando-se sempre de gaiatice, o
menino do ganzá era filho seu, da mesma mulher, que tinha parido mais quatro
dele, e todos já agarrados com as de saia. Por fim, explicou seu trabalho no
conjunto: entrava na roda com o seu pau roliço para animar, tocava o apito para
alertá-los e, ainda, puxava o canto.
O terceiro homem de pau
roliço, mais atrevido, cheirando à cachaça, avisou-me ser casado com a filha do
Mestre e que os seus dois meninos começaram a formar um maneiro-pau. Bigode, de
pronto, repreendeu-o, dizendo-lhe que, ali, só ele, o mais velho do
maneiro-pau, poderia falar com o amigo, conhecedor dele.
- Deixe o amigo falar. -
alterou a voz. E colocando o braço direito em meu ombro, pediu-me solene: -
Fale, meu amigo, fale pra essa gente quem é o Bigode, esse romeiro, já dentro
dos seus oitenta de sol e chuva, mais ainda na flor da dança.
Claro, só falei pouca
coisa dele. Disse-lhes que Bigode não havia mudado: o mesmo corte de cabelo,
cobrindo-lhe as orelhas e os ombros. O mesmo volumoso bigode. O mesmo jeito:
simpático com todos, brincalhão, e com a mesma gargalhada. Lembrei-lhes, por
fim, que Bigode recebia donativos do meu pai, e que eu achava bom assistir aos
dois conversando animados. Ao lhe dizer o nome do meu pai, ele me abraçou com
força, dizendo-me que eu, sendo filho de um grande amigo seu, também era seu
amigo estimado. Sorrindo satisfeito, após meus conhecimentos sobre sua vida,
anunciou para o grupo:
- Esse aqui é conhecedor
do Bigode. Um professor, filho dum grande amigo meu, que nunca faltou quando eu
ia no encontro dele. Viram, Bigode não morreu ainda não.
Para concluir minha
conversa com Bigode, tinha que o Mestre me dá esta surpresa:
- Bigode aqui, meu
professor, ainda vai dançar muito maneiro-pau pro povo. Mas isso só são os
ensaios, pra eu me apresentar na Corte Celeste, sozinho (retirou o chapéu,
levantando-o acima da cabeça), pro Nosso Pai Eterno, pro Nosso Senhor Jesus
Cristo, pra Nossa Mãe das Dores, pra meu padrinho Ciço e pra todos santos
e santas.
Ao se despedir de mim, abraçando-me,
cravou-me a meu ouvido esquerdo:
- Essa gente boa aí de dentro da escola, meu professor, já está me convocando. Pois fique sabendo: Bigode anda pra frente, pois quem nasce pra artista cuida da arte, como quem cuida duma joia de muito valor.
JN. Dantas de Sousa, Eurides.