Para sua surpresa, naquele amanhecer de domingo de maio, o professor aposentado Pedro Domingos de Araújo Santos, durante a caminhada matinal, avistou da esquina José Rosa Cansanção, grande amigo desde a sua adolescência. Zé Rosa estava sentado na cadeira de balanço, na calçada da sua casa, a cochilar debaixo da acácia amarela. O professor, ao ter ido passar uma temporada no distrito do Carité, por motivo de saúde, reencontrava-se com o melhor contador de causos que conhecera em Juazeiro do Norte. De imediato, mudou o destino e foi ao encontro dele.
Zé Rosa havia trabalhado para o pai de Pedro Domingos no serviço de roça. Ainda, ele tomava de conta do sítio, morando lá com a mulher e cinco filhos. Após o pai de Pedro Domingos vender o sítio, Zé Rosa foi morar em casa própria, dada pelo ex-patrão, na Rua Santa Rosa. E Pedro Domingos visitava-o, mais para ouvir aquele que possuía a arte de contar histórias. Dava-lhe inveja por não saber como Zé Rosa aprendera a arte de contar fatos. Além de ter boa memória para acumular fatos reais e fictícios.
Após Zé Rosa receber o amigo com palavras e gestos cerimoniosos, além de lhe pedir para se sentar na bancada de madeira, na calçada de sua casa, a filha mais velha (que passou a ser a dona da casa depois da morte da mãe) veio de lá de dentro já com duas xícaras cheias de café, sobre a bandeja. A filha Rosa, mesmo nome da finada mãe, esperou, encostada à porta de entrada, os dois terminarem o café. Voltou, em seguida, com a bandeja e as xícaras, para dentro de casa. Assim, debaixo da sombra, Zé Rosa, como sempre, puxou a conversa. Segundo ele, veio de dentro dele um fato misterioso, quando estava de olhos fechados, antes de Pedro Domingos se achegar. Ocorrera em Juazeiro do Norte, quando doutor Feitosa era prefeito de Juazeiro do Norte. E adiantou: "Só me dei conta quando vi arruado de gente indo pra lá. A notícia começava a correr mundo. Deixei a mulher e os meninos lá no sítio do seu pai, sol se pondo, pra ver o acontecido".
Preso pela curiosidade, Pedro Domingos deixou Zé Rosa correr na direção do acontecido. Assim, foi Zé Rosa abrindo caminho, devagarinho, entre o amontoado de pessoas aflitas. Até que enfim conseguiu chegar mais perto da casa em construção. Ficava ela em frente â cerca de pau roliço com arame farpado, a qual na época cercava o cemitério da capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
Zé Rosa perguntou a um senhor o que ocorrera. E ele lhe respondeu
agoniado: “Faz quase meia hora que um pedreiro acabou de ser engolido pela
fossa, onde trabalhava dentro dela”. Ao saber da trágica notícia, Zé Rosa se
benzeu com o sinal da cruz. Procurou se achegar perto da fossa. E ficou a presenciar a agoniação de quatro
homens, suados da cabeça aos pés, a gritarem desesperados. Faziam eles grande
esforço para salvarem o coitado do colega pedreiro. Uns homens de terno e
gravata, que se encontravam próximo à fossa, pediam calma ao povo, a fim de que
os quatro homens retirassem o infeliz vivo ou morto.
Depois de duas horas de esforço dos quatro pedreiros a escavarem a fossa, retirando terra, a irem de buraco abaixo, com o sol se indo devagar, depararam-se com a laje de cimento. Para os escavadores, a laje era da grossura de um palmo de homem. Por causa do péssimo aviso, a multidão começou a perder esperança.
A esposa da vítima e quatro filhos seus logo aumentaram o choro: tinham certeza de que o esposo e pai não estava vivo. E o boato se espalhou de que o pedreiro se achava morto, esfolado pela laje. Mas os homens de terno e gravata gritavam o contrário. E os esforçados homens, ajudados por mais gente, auxiliados por cordas grossas, conseguiram retirar a laje para fora do buraco.
Para surpresa da multidão, espalhou-se a notícia de que o pedreiro estava
dentro da fossa sem nenhum arranhão. No entanto, distorceram a notícia: era a visagem
do falecido que aparecera aos homens dentro da fossa. Outros comentavam que o
pedreiro tinha ressuscitado. Logo se formou a confusão de opiniões. Uma enorme multidão se formou em Juazeiro do Norte, porém pouco menor do que aquela na morte do padre Cícero.
Enquanto as notícias corriam e se desencontravam, os quatro homens, sobrando coragem, agarraram o pedreiro e o trouxeram para fora da fossa deteriorada. A multidão teimava em apalpar o pedreiro, que parecia ter ficado novo de novo. A viúva desmaiou depois de ver o marido diante dela, com cara de abestalhado. Os filhos tiveram de socorrer a mãe, levando-a nos braços, ainda desacordada, para casa. E Zé Rosa, com dedo estirado para Pedro Domingos, completou; "Careceu dum magote de policial formar uma rodona, de mãos grudadas uma na outra, em volta do renascido. Tudo pro prefeito e pro vigário da Matriz de Nossa Senhora das Dores pudessem conversar com ele".
Sem sair da mesma posição na cadeira, Zé Rosa revelou ainda que o pedreiro se mostrava bem tranquilo. Foi como se nada tivesse acontecido com ele. Não tremeu na fala ao contar às duas autoridades e aos encostados na roda de braços ao redor dos três. Quando a laje - que se achava encostada próxima à boca da fossa e ajustada para tampar a fossa ao final da construção - foi abaixo, o pedreiro sentiu a morte chegar, para levá-lo ao mundo dos finados. Só que, naquele último momento de sua vida, ele deu um grito, com todas as forças que lhe restavam nos pulmões, chamando pelo padre Cícero Romão Batista, a fim de que o sacerdote viesse do céu acudi-lo das garras da morte.
E concluiu Zé Rosa que o padre Cícero depressa salvou o pedreiro. A laje de cimento parou a dois palmos da cabeça do pedreiro. Ela ficou presa entre as paredes, numa posição tão bem ajustada como se o lugar dela na fossa fosse naquele lugar lá dentro. Além do mais, a lajona de cimento trazia uma pesada bagulhada em cima dela.
JN. Dantas de Sousa, Eurides.