O dono da construtora,
contratada pela Prefeitura, resolveu, na primeira segunda-feira de maio, próximo
a julho, aniversário do Bicentenário do Município, dirigir-se a uma das quatro
escolas que estavam sendo reformadas, e para serem reinauguradas em julho.
Logo pela manhã, o
engenheiro proprietário da Construtora dirigiu-se para a obra, na camioneta da
Prefeitura e acompanhado por dois funcionários de sua empresa. Esqueci-me de
dizer: o dono da construtora era primo, quase irmão do prefeito. A sua
construtora comandava as obras da nova gestão "Administrando com o
povo". Mas o empresário, ao chegar à obra, só pela cara dos trabalhadores,
dava-se para perceber que o doutor não estava bem recebido pelos trabalhadores.
Nenhum sequer lhe abriu sorriso.
Ao se deparar com aquela
indiferença para com ele, o dono da construtora se reuniu reservadamente com o
seu encarregado da construção e os dois funcionários da empresa, dentro da
improvisada saleta, com ventilador, água mineral, cafezinho e porta de vidro.
Resolvera, ao final da reunião de quase uma hora, convocar os trabalhadores, a
fim de ter com eles uma conversa cordial e amigável. Assim, ao ver todos
os trabalhadores reunidos no pátio, em silêncio, o empresário iniciou seu
discurso de otimismo. Entretanto, foi interrompido pelo Piauí, servente novato
na empresa. Era ele negro baixo e gordo falante e brincalhão com os colegas. Dizia
ele ser andador por todo o Brasil e ter nascido em Codó, no Maranhão, além de
ser neto de angolanos.
- Doutor, qual a sua
graça? - perguntou Piauí, sem se importar com olhares receosos, acanhados, dos
colegas.
- Doutor Morais, antecipou-se o encarregado.
- Certo, afirmou sério Piauí, sem sair do seu local, por trás dos outros. - Mas eu só quero dizer pro doutor Morais que nós aqui já faz uma semana, e já se passou duas, e já se vão pras três. Nós aqui, ó, no zererê. Não se vê nem um fiapo de dinheiro no nosso bolso.
- Calma, vamos com calma,
meu rapaz e todos daqui, adiantou-se doutor Morais, estendendo a mão direita em
direção aos trabalhadores em pé e calados. - Não se avexem não. Eu vou ajeitar
isso hoje mesmo. Agora, eu venho aqui dizer pra vocês que vamos começar a
trabalhar o sábado à tarde e o domingo, para que a obra ande mais rápido, uma
vez que o prazo está correndo para a obra sair no dia do Município. Não se
avexem, digo de novo, porque... Ouçam com atenção, vou pagar a vocês o que
vocês vão trabalhar um pouco mais.
- Bom doutor... - levantou Piauí a voz, postando-se adiante dos colegas. - O bom doutor
não paga nós nem o da semana quanto mais vai pagar os dias
da folga da gente.
- Esse Piauí, doutor
Morais, cortou a conversa o encarregado da obra, ele é novato e tem uma língua maior
do que muita gente grande.
Ao se ver humilhado pelo
encarregado, Piauí não se deu por calado:
- Pois minha língua, seu
baba-ovo, é do tamanho que Deus me consentiu. Mas ela nunca foi
queimada com papa quente quando eu era pequeno, avalie agora, depois de eu
grande. Comigo é: nem com papa, nem com papo.
Naquele instante, os trabalhadores bateram palmas com veemência e passaram a elogiar a sabedoria e o destemor do Piauí. No instante o converseiro entre os trabalhadores aumentou tanto que se embocou em protesto. Precisou doutor Morais, seus dois funcionários visitantes e o encarregado da obra se isolarem dos trabalhadores, todos dentro da improvisada saleta, com ventilador, água mineral, cafezinho e porta de vidro. E decidiram, então, irem com urgência para uma conversa com o primo de doutor Morais.
JN. Dantas de Sousa, Eurides.