Na fila dos aposentados,
à espera do salário do mês de março, Dona Dorinha contava a história de um senhor
escuro, de Exu, no Pernambuco, o qual não levava desaforo pra casa. Havia ele
apostado, com um comerciante de banana do Mercado do Pirajá, que beberia um engradado
de cerveja, o de garrafa grande. E pra se beber uma garrafa atrás da outra até
terminar o engradado. O pernambucano acabou bebendo todo o engradado. E terminou
levando do comerciante o seu Fiat vermelho.
A conversa chamou a
atenção dos idosos na fila e mais de mim, novo na aposentadoria. Os dois da
frente nem se importavam com Dona Dorinha, porém mais atento a pegar a quantia
e sair do banco. Mas a idosa, quase no fim da fila, entrou na conversa:
- Pois pior foi
com um aleijado que apareceu lá na gente. Algum de vocês conhece ele.
Para que a idosa falou
essa última frase. A fila parou de resmungar. Esqueceram-se da demora para
ouvir a mulher de toalha enrolada no pescoço. Até o guarda do banco se achegou,
como gato, perto de nós, a fim de escutar o que a mulher iria contar.
- Sabe aquele todo aleijado,
da cabeçona, que vive pedindo esmola na Rua São Pedro, dentro do carrinho
empurrado por um rapaz baixo? - e, diante de quase os da fila afirmando que já
sabiam quem era, a idosa continuou: - Pois bem, dias atrás, lá perto de nós, no
bairro Frei Damião, num bar de lá, estava o bocado de arengueiro, bebendo e
conversando aresia. Tudinho encachaçados. Aí, o rapaz que empurrava o carro do
aleijado esbarrou-se no meio dos cachaceiros, pra pegar umas esmolas. Pareceu
coisa do demônio. Um deles, atiçado pelo demo, se arribou pra cima do aleijado,
num alarido só, e inventou de fazer uma aposta. Mas espie só. Aí o cachaceiro
botou logo a sua moto pra apostar com o guia do aleijado. Mas aí o aleijado
protestou. E o filho do cão, que empurrava o carro do aleijado, deu um beliscão
no braço do adoentado, chega o coitado deu um gemido de dor. E foi assim que
terminaram fechando a aposta.
- E que aposta foi essa,
dona? - adiantou-se o senhor de boné do Flamengo. No entanto, a senhora, sem
dar ouvido para ele, continuou:
- O cachaceiro do bar se
lascou. Bem feito. Perdeu a sua moto velha. Só que o coitado do aleijado ficou
como doido, com os olhos se esbugalhando, com a boca toda imunda e a vomitar
mais de três vezes. O miserável comeu, se empanzinou e foi levado pro hospital.
Eu já estava diante do
vidro do caixa, porém com olhos para a idosa da história do aleijado. Mas
aquele que lhe perguntara qual tinha sido a aposta, insistiu:
- A senhora se esqueceu
de dizer o que tinha na aposta, pro aleijado ir pro hospital.
Limpando o rosto na
toalha, ela fez que não ouviu o senhor de boné. No entanto, concluiu sua
história em voz alta, talvez para todo o banco ouvi-la:
- Pois sabe o que os médicos tiveram de fazer no aleijado? Uma lavagem por cima e por baixo. Aí ele foi aos pouco voltando viver, ficando melhor. Ele comeu um tijolo de barro, não do furado, mas um daquele todo inteiro e maior que uma rapadura.
JN. Dantas de Sousa, Eurides.