Perfume da loucura II (Dantas de Sousa) - crônica

­­­­­­Por quatro vezes, depois daquele nosso encontro na esquina da Rua Santa Luzia com a Rua São Pedro, encontrei Miguel no centro comercial da cidade, ainda se exibindo para o povo. Mas eu não conseguia conversar com ele. Era como se ele estivesse fugindo de mim. Pois  não  é  que,  sem  eu  esperar,  deparei-me  com  Miguel.

Ele assistia à missa dominical na igreja de São José, no bairro Limoeiro. Na ocasião, achava-se de cabelo bem penteado para trás, com a mesma barba, de camisa de manga comprida. Ao lado dele, via-se a senhora baixinha, branca, sardenta, de aliança no dedo esquerdo. Até o final da missa, Miguel permaneceu calado. Após o final da missa, deixou-se conduzir pela mulher, agarrada ao braço dele. Não dei por terminada a minha aventura. Corri ao encontro dos dois. Consegui parar Miguel e a sua mulher diante da casa das freiras. Depois de conquistar a confiança dos dois, relembrei ao Miguel aquela sua bonita frase filosófica dita para mim, na esquina da Rua Santa Luzia com Rua São Pedro.

Por instantes, Miguel permaneceu de cabeça baixa, calado, e a esposa sem lhe soltar o braço. Num rompante, encarando-me, ele estrondou a voz:

-  Naquele tempo, eu tinha pra mim que eu não estava louco.  Pois agora é o mundo todo que pensa que estou.

Por causa disso, Miguel levou da esposa o beliscão no braço. Ela ainda lhe repreendeu que ele não era louco, mas só tomava comprimidos para retirar da cabeça o querer ser um iluminado de Deus e para querer corrigir o povo do mundo. Ao que Miguel prontamente se explicou para mim:

- Onde que já se viu isso, meu amigo, dessa mulher ter tirado essa história? Quem sou eu pra querer corrigir esse mundão? Agora eu vou dizer sério: quem pensar que o louco é quem não trabalha, quem não quer trabalhar, está enganado. O louco, meu amigo, de tanto ser tido como louco, trabalha demais, pois é quem remove da face da terra toda sujeira grudada desde o começo do mundo.

Miguel ainda quis continuar sua filosofia, porém a mulher, de cara zangada, arrastou-o pelo braço rua abaixo e de voz alterada:

- Chega, Miguel. Se soltar teu cabresto, tu desembesta a se espichar pro povo.

Lá se foram os dois. Miguel em silêncio; sua mulher a zoadar com ele.­­­­­­

JN. Dantas de Sousa, Eurides.

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