1 - Noções básicas para a construção de um texto narrativo:
NARRAÇÃO -
técnica para escrever texto narrativo; ou o ato de narrar um texto narrativo.
FATO -
o acontecimento textual, no qual um narrador, dirigindo-se a um narratário,
procurará inserir uma história, que ocorrera consigo ou com alguém.
HISTÓRIA -
o relato de um assunto que, num determinado acontecimento, ou fato, o narrador
transmite ao narratário.
NARRATIVA -
o texto narrativo fictício, ou a ficção literária.
ENREDO -
o desenrolar do texto narrativo, assim sequenciados: a introdução, a
complicação, o clímax, a conclusão. Todo
texto narrativo apresenta uma sucessão cronológica de ações, de fatos, de
vivências, de situações denominadas de enredo, ou trama. Para a sua
compreensão, necessita-se observar o conflito,
isto é, o elemento de tensão que organiza os fatos e os faz avançar, chegando a
prender a atenção de quem lê o texto. Assim, o conflito é quem determina as partes do enredo.
Pode-se dividir o enredo nas seguintes partes:
a) introdução (ou
apresentação) - o início da história.
b) complicação (ou
desenvolvimento) - o conflito surge, desenvolve-se, complica-se; o clímax
(o ponto culminante da história); o conflito atinge seu ponto máximo.
c) conclusão (desenlace, desfecho) - final da história, do conflito; feliz,
trágico, ou inesperado.
AÇÃO -
física e psicológica; fundamenta-se no emprego de verbos de ação,
sem procurar se exceder nos verbos de ligação.
DESCRIÇÃO -
física e psicológica; identificando-se como o fermento expressivo
da linguagem narrativa, uma vez que busca melhorar a “visibilidade” da
realidade do fato.
LINGUAGEM CONOTATIVA - o ato de “brincar” com as palavras; o uso criativo dos
expressivos recursos da palavra, da linguagem; a liberdade do significado
vocabular, a fim de conduzir o leitor ao prazer de uma leitura artística,
criativa, original e atraente.
2 - Elementos que compõem uma narrativa:
NARRADOR -
não confundir com o autor, ou o escritor do texto; o emissor,
ou aquele criado pelo autor para contar a história; responsável pelo
relato; um “habitante” do mundo fictício; o que contará uma história que
ocorreu consigo, ou que ele presenciou, ou que lhe foi narrada por alguém.
Repito: não confunda com o autor (por exemplo: você, que produz o texto).
Existem três tipos de narrador:
a) narrador-personagem: o que
conta a história da qual participa. Narra em primeira pessoa.
b) narrador-observador: o
que conta a história como se fosse alguém a observá-la. Narra em terceira
pessoa.
c) narrador-onisciente: o
que sabe tudo sobre o enredo e as personagens. Revela os pensamentos e
sentimentos mais íntimos delas. Narra em terceira pessoa.
NARRATÁRIO – o
receptor, ou personagem recebedor da mensagem. Pode ser explícito ou
implícito. Não confundir com o leitor do texto (por exemplo:
você, que lê o texto). É um “habitante” do mundo fictício (e que poderá ser
identificado ou não pelo leitor do texto).
PERSONAGEM(NS) -
poderá ser o próprio narrador do texto, caso ele participou da história. Poderá
ser algum(ns) participante(s) da história.
- Revelam-se
na história como protagonista(s), ou principal(ais) personagem(ns); como
antagonista(s), ou o(s) que se contrapõe(m) às ações do(s) protagonista(s);
como personagem(ns) principal(ais) ou secundário(s); como personagem(ns)
figurante(s); como personagem(ns) relembrado(s) na história.
- São homens,
mulheres, animais - com nomes próprios, ou designados por pronomes pessoais
(ele, ela) e por substantivos comuns (o velho, a menina, o peixe); com
características físicas e psicológicas, determinadoras de suas atuações na
trama criada.
DISCURSO - elemento estruturador da história. Exemplo:
O garoto entrou na sala de aula após o
professor entrar. Chegou esbaforido, despenteado e o rosto escorrendo suor. De
tão desorientado que vinha, nem pediu licença ao professor.
Há três maneiras do narrador transcrever o que as personagens dizem
no texto:
a) direto -
o narrador “deixa”, ou reproduz, o personagem falar “de viva voz” no texto,
identificando-o através de travessão ou aspas. Exemplo:
Ao entrar na sala de aula apressado, o
professor olhou para o aluno da primeira fila e perguntou-lhe:
- Como você se chama?
- Pedro Paulo, respondeu-lhe o
aluno.
- Diga-me seu nome completo, meu
jovem.
- Meu nome é esse, gritou ele. E
repetiu: - Pedro Paulo.
b) indireto -
o narrador, através de suas próprias palavras, expressa a fala do personagem,
ou o que o personagem deveria dizer. Ou o narrador diz com suas palavras o
que a personagem deveria falar. Exemplo:
Antes de sair para a feira, a mãe de
Deoclécio lhe recomendou que ele cuidasse do irmão mais novo. Mas o filho lhe
respondeu que não iria olhar o irmão, porque precisava se encontrar com os
colegas na escola às nove horas.
c) indireto-livre, ou direto e indireto – as “vozes” do personagem e do
narrador se fundem, se entrelaçam, consubstanciando-se num refinado
atributo artístico, em que tanto o criador como a criatura se tornam a
super-expressão de uma linguagem unívoca. Ou o narrador insere, em seu
discurso, a fala ou os pensamentos da personagem. Confunde-se o narrador com a
fala da personagem. Exemplo:
Caminhava Zuza às duas da manhã, pela
Rua São Cândido. Ao longe, perto da bodega do Honório, avistou o vulto preto.
Logo lhe deu um arrepio que os cabelos da pele subiram. Que seria aquilo,
imaginou. Visagem? Não, ele mesmo não tinha medo de alma do outro mundo. Iria
enfrentá-la porque era homem. Apressou os passos na direção daquele objeto
desconhecido. Nunca havia visto essas coisas antes, em suas farras noturnas, de
volta para casa. Mas que diabo era aquilo? E o bicho não se movia. Tinha que
enfrentá-lo de qualquer maneira, ou ele não era homem. Benzeu-se com o sinal da
cruz e partiu como um homem corajoso que sempre fora.
TEMPO -
cronológico e psicológico; identificam-se sobretudo por verbos, advérbios e
locuções adverbiais; além de palavras e expressões de outras classes
gramaticais, cujos significados se relacionam ao âmbito da
temporalidade.
a) cronológico:
Encontrava-me sozinho, pela manhã, na
praça da Sé. Eram nove horas. Mas somente à noite eu iria pegar o ônibus para
Fortaleza. Havíamos marcado nos encontrar às dez horas, a fim de nos
despedirmos ali, bem longe dos pais dela.
b) psicológico:
Não sei por que ela estava demorando
tanto. Um tempão já se passava, e ela não vinha. Os minutos corriam, e nada
dela aparecer. Resolvi, então, aguardá-la até mesmo a vida inteira, já que eu
queria mesmo era me despedir dela.
ESPAÇO -
físico e psicológico; identificam-se por palavras e expressões das classes
gramaticais, cujos significados se relacionam ao âmbito da espacialidade.
a) físico:
Entrou no bar, sentando-se à mesa
próxima da janela. Enquanto pensava em Márcia Regina, avistou-a saindo do
banheiro. Ela não lhe dissera que iria sair de casa. E agora estava ali. Com
quem, ele se interrogou a si mesmo. Resolveu se mudar do lugar, para uma mesa
dos fundos, a fim de saber com quem ela se encontrava ali no bar.
b) psicológico:
Deitado na cama, com as mãos sob a
nuca, Mário relembrava a traição da namorada no bar, sentada a uma mesa,
próxima à entrada, acompanhada do Rodrigo. Naquele recinto tão aprazível, ela
estava, a um pulo dele, se encontrando com o colega de sala. Mexeu-se na cama,
como se tivesse ido ao encontro dos dois, levando consigo a vontade de botar
aquela história a limpo.
Texto
I - para leitura e estudo:
A
vaca
Tardezinha
de quarta-feira, ainda dia claro em Grangeiro. Ao sair da escola, andava eu
pela rua, em direção a minha casa. Vinha absorvida em pensamentos. Nem me
preocupei com aquela vaca, tangida por dois homens a cavalo, a um quarteirão de
distância.
Sem
mais nem menos, a vaca começou a correr atrás dos transeuntes. Imediatamente, a
rua virou dia de chuva inesperada. Antes da vaca dar fé de mim, consegui ver
pessoas subindo a calçada da igreja. Outras entrando na padaria de Seu Zé
Ferreira.
Quis
correr, mas as pernas não saíam do lugar. Procurei gritar, porém me faltou a
voz. Se não fosse Seu Cardoso, gritando para eu me esconder atrás do orelhão, a
vaca quase me atropelava. Tremia que tremia. Esperava pelo menos que alguém me
tirasse daquele sufoco. Que nada. A vaca veio voando, espumando, em minha
direção.
Só
me tranquilizei quando dois homens, gritando pornografia, enlaçou de corda a
vaca. Passaram por mim, berrando, brigando com o animal.
Aliviada,
deixei o orelhão, com as pernas bambas. Não mais avistei Seu Cardoso, para lhe
agradecer o favor. Continuei caminho, esforçando-me nos passos, para não me
envolver nos comentários finais do povo, na praça em frente da Matriz da Nossa
Senhora da Conceição.
Texto
II - para leitura e estudo:
A
rasteira
Deitado
na cama, com as mãos sob a nuca, Fabrício observava a teia de aranha no teto. O
pensamento, porém, andava longe. Fazia três meses que não se encontrava com
Roseana, a namorada.
Como
a inquietude contagiasse a cabeça, pensou em ir, pela tarde, à casa de Roseana.
Poderiam até sair, assistir a um filme, parar numa lanchonete. Mas, de repente,
a raiva subiu pelo corpo, arrepiando-lhe os pelos, até lhe tomar o coração.
Naquele
instante, Fabrício reviu todo o acontecido: na lanchonete, naquele domingo, a
namorada e o melhor amigo. Sentado um ao lado do outro, beijavam-se. As bocas
juntas, os olhos fechados, os braços enlaçados. Fora traído. Roseana e Maurício
haviam lhe passado uma rasteira.
Desde
o dia em que flagrara os dois na lanchonete, Fabrício não saiu mais de
casa, senão para a escola. Não quis receber os insistentes telefonemas de
Roseana nem a sua visita. Definitivamente, para ele, o namoro se acabara, não
com palavras nem com brigas, porém com o merecido desprezo.
Deitado
na cama, com as mãos sob a nuca, Fabrício ainda observava a teia de aranha no
teto, acabando de prender o besouro. Pouco a pouco, amanhecia, e o sol
penetrava, de mansinho, pelas frestas da janela do quarto.
Texto
III - para leitura e estudo:
Porre
de noivo
A
comitiva descia a ladeira do cacimbão. À frente, o jipe dos noivos. Logo atrás,
a procissão de cavalos e bicicletas. Arrastavam-se pela estrada, naquele começo
de noite, sem fazer poeira. Até que pararam diante da casa iluminada pela
fogueira. Deu-se, então, o bombardeio de fogos e de viva-os-noivos.
Tiquinho,
o noivo, apertado no terno branco, arriou-se primeiro do jipe. Esquecendo-se do
protético da cidade, abriu as duas presas e saiu-se a abraçar os convidados.
Caiu logo nos braços dos amigos que o levaram para os fundos da casa do sogro.
Tiquinho
embriagava-se de cachaça no terreiro atrás da casa. A noiva não conseguira
convencê-lo a falar com os convidados. Nem o sogro, nem a sogra. Parecia que o
rapaz queria acabar com todo o álcool da casa.
Já
se passava da meia-noite. Tiquinho lentamente perdia as forças. Não mais
gargalhava, vomitava palavras desconexas. Os amigos, ao vê-lo naquele estado
alcoólico, aconselharam-no a dormir no quarto. Mas nem a noiva, nem mesmo os
parentes, levaram-no para dentro.
Tiquinho,
embolando-se nas palavras, decidiu, de uma vez por toda, dormir ali mesmo no
terreiro. E estirou-se no barro ainda fresquinho da aguada do começo da noite.
Dormia
Tiquinho um sono tão pesado como a morte.