Sem luz, sem lucidez (Dantas de Sousa) - conto

Ao se acordar durante a madrugada, em seu sítio Jenipapeiro, professor Jacó Duarte abriu a janela da sala de visitas. Logo o vento frio invadiu o recinto. Sem luz elétrica desde o começo da noite, ele avistou a lua minguante entre poucas estrelas. A estrela d’alva piscava-lhe como a querer anunciar-lhe algo. Sem buscar entendê-la, dirigiu-se à cozinha. Ao procurar acender o candeeiro a gás, assustou-se no acender de uma lanterna em sua cozinha. Avistou, diante dele em pé, Seu Augusto Moreira, vizinho seu e dono do sítio Caridade. Segundo o ancião lhe falou, entrara na casa por ter visto a porta da cozinha aberta. Não havia visto cachorro a perambular pelo terreiro. E na pouca claridade da cozinha, Augusto Moreira alertou o vizinho: "Pra morrer, Jacó, é daqui prali". 

Como fazia dois anos e meio que o professor Jacó Duarte, solteiro, havia comprado o Jenipapeiro, ele ficou atarantado com a presença inusitada do idoso. E mais pela advertência do ancião: “Quando falta luz, Jacó, não se pode deixar faltar a luz de uma lanterna, de uma vela, de um candeeiro, ou até mesmo de um isqueiro. E isso tanto pode ser pra zona rural como pra urbana”. 

Refletiu rápido Jacó Duarte as palavras do agricultor aposentado. Palavras de sabedoria, de um bom conselho. Era por isso que apreciava conversar com Augusto Moreira. E, entre uma palavra e outra, o idoso concordou beber o café de Jacó. 

Antes de Jacó terminar de coar o café, Augusto Moreira, sentado na mesa da sala de jantar, relembrou-lhe o que lhe havia comentado instante atrás. E, em seguida, abriu a cortina da sua memória: "Me lembro muito bem do ano: 1978. Ano de seca braba no Nordeste. Aqui nesta sua casa, aconteceu uma tragédia". E deu uma pausa no que havia dito para observar o professor botar o café nas duas xícaras. Mas como não viu alguma reação de Jacó, voltou ao seu comentário: “Como é que tem cidade daqui do Brasil ainda sem luz? O homem não consegue mais viver na treva. Quando a luz das estrelas iam ficando fraca, ele inventou a fogueira. Depois, passou pra vela, lamparina, lâmpada de gás e lâmpada elétrica”. 

Augusto Moreira elogiou a energia elétrica, mas que ela estava muito cara no Brasil. E após beber o gole de café, retornou a falar: “Pra quem não sabe, Jacó, no escuro, na treva, até com simples isqueiro na mão qualquer pessoa pode se salvar. Pois foi por causa de um isqueiro que…”. Pedndo-lhe licença Jacó Duarte, propôs-lhe que ele desse início a sua história após o término do café, a fim de irem se sentar no alpendre da frente da casa. Com o faro de escritor, professor Jacó Duarte não iria jogar a história de Augusto Moreira para  o vento.

Já sentados em duas cadeiras de balanço, no alpendre do sítio Jenipapairo, durante a madrugada de ventinho frio, Augusto Moreira retornou ao que falara antes: "Por causa de um isqueiro, dona Jasmilinda Vilela, a viúva que era a dona deste sítio, que agora é seu, por pouco não morreu antes da hora. Ela se achava dentro do quarto de dormir, o que você dorme. Estava sozinha, durante a madrugada". 

Dona Jasmilinda só sabia se defender no escuro, munida de uma vela e uma caixa de fósforos. Mas na noite do acontecido, ao faltar energia elétrica... Naquela época, nos municípios do Nordeste havia apagão, sobretudo na zona rural... Dona Jasmilinda sentiu falta da vela e da caixa de fósforos. De repente, ela se valeu do isqueiro do falecido marido, ao lado da cama, sobre a cômoda. Era costume do falecido se levantar pela madrugada, para dar uns tragos no cigarro de rolo de fumo, enquanto dava a sua mijada no terreiro. Pois foi no claro do isqueiro que dona Jasmilinda se alarmou, ao avistar a cara dourada do ladrão. E os seus gritos, clamando por socorro, dentro do quarto, produziram duas situações inesperadas e de modo instantâneo.  

A primeira foi que eles acordoaram a sua neta, uma adolescente de quinze anos, chamada Ana Lúcia e que viera de Recife passar as férias escolares de julho aqui no Jenipapeiro, na companhia da avó e do seu pai, Aldenor Vilela, que era separado de sua mãe. O susto e o medo fez a mocinha pular da cama e se atirar pela janela, para fora da casa.

A segunda se deu porque Aldenor, ao ouvir o clamor da idosa mãe dentro de casa, mais que depressa abandonou a tocaia, onde ele queria pegar o animal que comia criação sua. Na semiescuridão da noite e na aflição, Aldenor atirou com o fuzil papo-amarelo, do seu falecido pai, em direção de quem pulava a janela.

- Viu, professor? Faltou luz, e não tinha lanterna, nem vela, nem isqueiro. Mas com arma na mão, mas sem luz, e ainda sem lucidez, aconteceu isso. - E concluiu: "Arma serve pra se defender, mas o satanás tira do homem a lucidez. 

 O instante de silêncio veio a vontade dos dois amigos beber o café que ficou na garrafa. Serviram-se dele. Voltando-se para as cadeiras do alpendre, Augusto Moreira anunciou ao professor Jacó que ainda iria terminar a história trágica no sítio Jenipapeiro. E relatou que o fuzil papo-amarelo, que era do falecido pai de Aldenor Vilela, veio ao mundo só para fazer besteira. Era uma arma batizada pelo maldito. O primeiro dono dele, e que vendera pro seu pai, inaugurou papo-amarelo matando um urubu. Segundo comentavam, se fosse contar o que papo-amarelo ajudou os outros a cometer imprudências, dava até para se fazer um romance. 

Augusto Moreira resumiu os feitos do fuzil papa-amarelo: defendia a propriedade da fúria de ladrão, da avareza de bicho, E num fim da tarde de uma sexta-feira de 1978, Aldenor Vilela alisou que alisou papo-amarelo. Mas no chegar da noite de lua nova, de ressaca de um porre, sem lucidez, lá no quarto, onde a filha pulou a janela, ele fez papo-amarelo iluminar dentro dele mesmo.  

JN. Dantas de Sousa, Eurides.

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