Seu Antônio chegou à casa
da idosa com a cara de assustado. Na porta de entrada, a empregada logo notou a
cara de espanto dele. E logo o mandou entrar para falar com Dona Margarida
Abreu Rocha sobre o trabalho que havia ajustado com a patroa. No entanto, no
lugar de tratar sobre negócio, Seu Antônio se sentou no tamborete de madeira
diante de Dona Margarida. Assim, o pedreiro iniciou
a conversa:
- Nunca passei na minha
vida susto tão grande como o de hoje, Dona Margarida.
- Que foi, meu filho?
- Se fosse a senhora, ou outra
pessoa, tinha desmaiado. Mas eu me enchi de coragem e saí, lá de dentro do
cemitério, numa carreira monstra. Minhas pernas pareciam um trator por cima dos
túmulos, quebrando o que era de cruz, planta, cerca de arame...
- E o que foi, Antônio?
- Eu vou contar pra
senhora a presepada que vi. Faltava pouco pra eu acabar de pintar o túmulo da
senhora. Aí eu ouvi o relógio lá da Praça Padre Cícero bater meio-dia. Ninguém havia
dentro do cemitério. Aí, senti meu bucho vazio, mas me deu vontade de enganar a
fome na bodega ao lado da igreja, no fundo do cemitério. Por azar meu, não
achei no meu bolso uma prata. Só tinha eu botado pra dentro o café com pão lá
em casa. Aí, quando levantei a vista, me alegrei. Um senhor alto, forte,
moreno, terno todo azul-escuro, aproximou-se de eu e o túmulo da senhora. O cabelo
dele penteado pra trás, brilhava no sol. Me preparei pra pegar no dinheirinho do
barão. Esperei que ele se encostasse. AÍ, quando ele chegou em cima de mim, eu dei
bom-dia pra ele. E pedi pelo menos um real, que eu estava com uma fome danada.
E sabe o que aconteceu?
- Que foi, Antônio? Pois me conte logo mais uma das tuas.
- Deu-se assim, Dona
Margarida. Do mesmo jeito que ele chegou perto d’eu, em silêncio, entrou no
túmulo da senhora, que estava com as duas portas abertas. E não saiu mais não.
Só creei que era alma do outro mundo porque eu me lembrei, na hora, que ele
chegou descalço.
Nesse instante da
conversa, a empregada soltou um berro lá na cozinha e correu em direção da
idosa, que havia desmaiado. E a empregada, feito doida, parecia acordar Seu
Antônio, ao alertá-lo para chamar os vizinhos.
Rápido a casa entupiu-se
de gente. Uma mulher batia no rosto da idosa para acordá-la. Outra empurrava
água com açúcar na boca da idosa. Um homem dava massagem no coração da idosa.
Cada qual dizia o que deveria fazer. Até que, aos poucos, a idosa voltou a
abrir os olhos. A gritaria de alegria se deu e até palmas estrondaram na sala
de visitas.
Seu Antônio ainda mais
assustado estava do que quando chegara. Não tinha nem tempo de falar, devido
aos presentes quererem saber dele o que havia passado para a idosa desmaiar.
Até que, enfim, a idosa, com as mãos estendidas, pediu a todos ficarem em
silêncio. E completou:
- O homem, Seu Antônio,
que o senhor viu no cemitério, é o meu filho, o Raimundo, que foi da
Aeronáutica, em Natal, e morreu numa queda de avião.
- Vixe Nossa Mãe Maria da
Boa Morte, e benzeu-se Seu Antônio. E falou atabalhoado para Dona Margarida. - Eu
vou ter de tomar um litro de cana, pra tirar a visagem de minha vista, Dona
Margarida. Me pague logo, que eu tenho de me sumir daqui depressa.
- E já terminou de
ajeitar o túmulo, pro dia dos defuntos, que já é amanhã?
- A senhora pode me dar o
dinheiro do mundo todo que não piso mais lá.
Depois de receber o pagamento, Seu Antônio deve ter ido se embebedar num bar, antes de chegar à sua casa no bairro Pio XII.
JN. Dantas de Sousa, Eurides.