No meio da sala de
visitas, em manhã de sexta-feira de agosto, encontrava-se o caixão da mãe
falecida. Ela havia morrido após cinco dias de ter completado seus noventa e
cinco anos. De um lado e do outro do caixão, as duas filhas gêmeas da defunta,
revoltadas contra Deus, devido a Ele ter levado a mãe, choravam alto. De
instante a instante, as duas, ao mesmo tempo, dirigiam-se para o rosto da
falecida e lamentavam que ela não poderia ter morrido. A lamúria delas já se
ouvia à distância da casa. Cada uma dela, após o desabafo sincronizado, se
enxugava com a toalha branca, envolta no pescoço. Dali a pouco, a do lado direito
do caixão bradou bem alto:
- Ai, ai, ai, meu Deus.
Por que o Senhor fez isso? Por que logo com a minha santa mãezinha? Tenha dó da
gente. - e espiou em direção do irmão.
Sentado no tamborete, com
o braço apoiado na janela aberta da sala, bem de frente para o caixão da mãe,
achava-se ali, desde a noite do dia anterior, Carlinho, o único filho solteiro
da falecida. Apresentava-se barbeado, vestido de camisa verde-limão,
de mangas compridas e com quatro bolsos. Sempre de sandálias japonesas, de
tiras azuis. Permanecia calado tempo todo, só a olhar o movimento de quem
entrava e saía. Ninguém lhe dirigia palavra, nem lhe davam os pêsames. Todos o
tinham como um amalucado. Diziam que ele enlouquecera por causa de uma macumba,
quando de suas viagens pelo Maranhão, vendendo peças de ouro. Só que, para os
mais íntimos da família, Carlinho, desde menino, era cabeça fraca. Mas,
logo naquela triste manhã, ele jamais esperou a desfeita da irmã gêmea,
de quem ele mais gostava. De dedo indicador, apontado em sua direção, ela lhe jogou
na cara, para toda a casa ouvir:
- Meu Deus, por que tanta
ingratidão com a gente? Por que o Senhor, no lugar de ter tirado nossa mãezinha,
não levou Carlinho.
Ao ouvir o disparate, Carlinho,
de um só pulo, agarrou-se ao pescoço da irmã e a explodir de raiva:
- Diga de novo, diga de
novo, sua rapariga. Vou te matar, moléstia, desgraçada...
De olhos arregalados,
rosto cor de pimenta malagueta, babando-se pela camisa, com as duas
mãos sem soltar o pescoço da irmã, Carlinho perdeu de vez o juízo. Assombrou
a todos os presentes.
De repente, dois
homens decidiram livrar a irmã das mãos do furioso. Um deles não
teve sorte: levou um coice de Carlinho, bem no pênis, chega rolou pelo
chão, aos gritos, sem soltar a braguilha da calça. Foi preciso o magote de
homem invadir a sala para não deixar o louco matar a irmã, e o caixão da mãe
não fosse ao chão. Na agonia, até os castiçais foram usados como arma de
ataque. E um menino danado pegou a bacia de ágata, que se achava debaixo
do caixão para tirar o cheiro de morto, e atirou o líquido sobre o povo da
sala.
Após muito esforço,
conseguiram desvencilhar a irmã das garras do endiabrado. Além do
mais, necessitou-se da força de seis homens para levar Carlinho para os fundos
da casa. Amarraram-no de corda. E, mesmo sem poder se mexer, o maluco, de olhos
arregalados, prometia levar para o inferno todos os que se meteram com ele.
Somente chegou paz à casa
da família da defunta quando o farmacêutico chegou esbaforido. Com jeito,
conseguiu aplicar a injeção em Carlinho e depois nas duas irmãs. Assim,
serenaram-se os ânimos. Rápido, os parentes da falecida concordaram em fechar o
caixão, a fim de levar a octogenária para o cemitério, bem antes do
horário previsto.
JN. Dantas de Sousa, Eurides.