O que ele não ensinou (Dantas de Sousa) - crônica

Tanto em Juazeiro do Norte como nas cidades próximas, ele era conhecido como Gigolô-da-macaca. Andava pelas feiras com a macaquinha marrom-clara, de olhos ativos e sempre de vestido. Aonde os dois chegavam, gente os arrodeava, para assistir às peraltices da macaca, de acordo com as ordens dadas pelo amestrador. Mas, certo dia, dois fiscais do IBAMA, na feira do município de Jardim, vieram tomar dele a sua amiguinha. A contragosto, o gigolô teve de entregá-la aos dois fiscais do governo. Para ele, só podia ter sido denúncia anônima, ou daquele passageiro grosseiro.

Coitadinha de sua macaca, vivia o gigolô a remoer para o povo. A bichinha crescera com ele. Aprendera a entreter o povo na rua. Ela tirava prosa com os curiosos que se achegavam para assistir aos seus malabarismos. Ela fazia o povo se derreter de rir. Ela agia somente o que lhe fora ensinado pelo seu dono. E a lembrança dela começou a definhar o gigolô. Ele sempre tinha uma arte dela para contar. Eis, pois, a que não saía da mente do gigolô. E que, para o gigolô, tornou-se motivo para os dois funcionários do  IBAMA lhe ter levado a sua querida macaca.

Aconteceu no final de tarde de sábado, quando retornavam o gigolô e a sua macaquinha da feira de Jardim. Dentro da boleia de duas bancadas, na camioneta da linha Juazeiro do Norte - Jardim, ao ver a macaca sentada no colo do seu dono, na bancada de trás, os passageiros se animaram. A mulher da bancada da frente era a mais animada. Tirava prosa com a macaca, enquanto outros passageiros caiam na gargalhada.  A gaiatice beirou pornografia. Só o passageiro da janela da bancada da frente, ao lado da mulher e do motorista, não achava graça naquilo tudo. Todo o tempo, ele se mantinha de cara amuada, de olhos para o assoalho do veículo.

Pois foi justamente com esse passageiro carrancudo que a macaca procurou tirar brincadeira. Com seu bracinho fino, comprido, peludinho, a macaca tocou no lado direito das costas do homem. Ele nem se mexeu. Mais uma vez, ela tentou ver a reação dele: tocou-lhe no mesmo lugar pela segunda vez. Somente na terceira vez, o homem reagiu:

- Porra, dirigiu-se o homem para o dono da macaca, ou você dá um basta nessa porra, ou eu sei dar nos dois.

Fez-se silêncio dentro da camioneta. O dono da macaca se agoniou. Segurou com força a coleira do animal, porém não disse nada ao bruto passageiro. Na boleia, só se ouvia o barulho do motor do carro e o converseiro do pessoal da carroceria.

- Ô seu porra! - gritou estrondoso o passageiro, ao ser tocado pela macaca, como nas três anteriores. Quase em pé dentro da cabina, de punho cerrado, exigia ao motorista frear a camioneta para acertar as contas com o dono da macaca.

Diante da insistência do furioso passageiro, o motorista da camioneta lhe obedeceu. Parou o veículo no acostamento. Com jeito, conseguiu acalmar o grosseirão. Deu-lhe até a sua palavra: a macaquinha iria se comportar direito até o final da viagem. No entanto, num descuido do gigolô, ou melhor, no cochilo dele de tão cansado, a macaca buliu com o mesmo passageiro. Dessa vez, o grito dele foi bem mais alto. E, segurando o seu próprio braço, anunciou ter sido arranhado pela unha da rapariga.

De novo, a mão esquerda da macaca foi sobre seu nariz, chegando a tirar um pingo de sangue. Daí para frente, misturou-se a trovoada do raivoso com a gaiatice dos passageiros da boleia. Ainda bem que ele chegou ao Caldas e desceu.

Mais adiante, com a poeira dos comentários esfriada, ouviu-se a voz alta do gigolô: “Eu não ensinei isso a ela não. Por Deus, não ensinei não”. Todos lhe deram razão, até os da carroceria. E o gigolô pensava que o ocorrido havia terminado ali, no ponto final da camioneta, em Juazeiro do Norte.

JN. Dantas de Sousa, Eurides.

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