Tio Francisco Cunha,
irmão de meu pai, só se vestia de marrom-escuro. A camisa de mangas compridas,
com dois bolsos, as calças folgadas e as alpercatas franciscanas com meias.
Segundo ele, pertencia à Ordem Terceira de São Francisco. Há três dias, chegara
de Pesqueira, município de Pernambuco, ficando hospedado em nossa residência.
Viera sozinho, num ônibus de romeiros, a Juazeiro do Norte. Durante sua estadia,
andou por igrejas da cidade. Em cada uma delas, rezou um terço. Ainda, assistiu
a três missas no Santuário de São Francisco das Chagas. Afinal, era meu tio
solteiro religioso ao extremo.
Mas no terceiro dia, em
que retornaria de volta para sua cidade à noite, enquanto tomava o café da
manhã com meus pais, avisou a eles que, depois da missa nos franciscanos, iria
rezar pelos mortos, no cemitério, atrás da igreja de Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro, a que o padre Cícero está sepultado. E, assim, partiu sozinho.
Próximo ao almoço, ele
retornou assustado e se tremendo. Bateu com força à porta de casa. Quando minha
mãe abriu a porta, tio Cunha lhe pediu, de voz nervosa, tremida, um copo de
água açucarada. Meus pais, então, lhe perguntaram o que acontecera. Se ele
havia sido assaltado? Se ele passou mal na rua?... Até que enfim, ele se
explicou.
Tio Cunha, quando rezava o terço para as almas do purgatório diante de um túmulo, em forma de capela, com três retratos de defuntos no seu interior, entristeceu-se ao ver o retrato colorido da moça bonita e jovem. Ao ler a data do nascimento e da morte dela, entristeceu mais o coração.
Enquanto se concentrava na oração, chegou de surpresa uma moça.
Ficou em pé, ao seu lado, em silêncio. Tio Cunha não se importou. Continuou a
sua reza em voz alta. A moça não o quis
ajudar a reza. Então ele, com educação, parou a reza para lhe dar bom dia. Mas a moça não lhe falou nada.
Achando aquilo estranho,
Tio Cunha passou a observar o retrato da moça. Achou-a parecida com a moça do
seu lado. Sentiu o friozinho na barriga. Vendo-se agoniado, perguntou ele à
moça:
- Mas como essa moça do
retrato parece com você. Você e ela são gêmeas.
- Não senhor. Essa moça
aí sou eu. Eu que botei meu retrato antes de morrer.
Em nossa casa, depois de beber a água açucarada, tio Cunha concluiu sua assombração ao afirmar que não acreditou no que a moça lhe dissera. Saiu do cemitério feito ventania forte. E jurou em nome de Deus, Jesus Cristo e São Francisco das Chagas que havia visto uma alma penada, das que falam, andam e só pensam em brincar com os vivos deste mundo.
JN. Dantas de Sousa, Eurides.