Joaquim Balbino adquiriu na vida três defeitos. E não aceitava conselhos de ninguém, usando-se do mesmo protesto: “Sei o que faço. Sei o que faço”. Mesmo depois de se casar, continuou a exercitar dois deles: deixava a mulher em casa sozinha, para ir se juntar aos amigos no jogo de baralho. Chegava pela madrugada, cheirando à bebida alcoólica. Caía na cama sem ouvir os lamentos da esposa. Vieram os filhos: duas meninas parecidas com ele. Já crescidas, elas lhe seguravam no braço, para lhe impedirem a saída à noite. E, assim, ele tinha a noção de que aquela vida não lhe era de pai nem de marido responsável. Arrependia-se quando de volta para casa, sozinho, tarde da noite.
Ao retornar do seu comércio
no Mercado Central, Joaquim Balbino vinha resolvido a não sair de casa, após o
jantar. No entanto, de repente, a vontade louca lhe batia à cabeça. Lá ia ele de novo ao baralho.
Embriagava-se de cartas, de café, de conhaque. De volta para casa, ele repetia
para a sua mulher, que não parava de rezar para a conversão dele: “Sei o que faço.
Sei o que faço. Dia qualquer, paro de vez”.
A esposa, dona Tertuliana Balbina, ouvindo
conselho de parentes, procurou se meter a ajudar o marido no armarinho de joias,
no Mercado Central. Mas foi proibida de andar por lá, já que, segundo Joaquim Balbino,
a mulher era para ficar cuidando da casa. Para piorar a situação, vieram
fuxicar para dona Tertuliana que havia uma rival sua a andar mexendo no bolso
do marido. No dia seguinte, antes do marido ir para o armarinho, a esposa se
adiantou: “Não admito, Balbino. Já estou aguentando baralho e bebida. Mas esse
terceiro defeito eu não admito não”.
- Isso é conversa do povo, minha Terta.
Joaquim Balbino possuía mesmo a amante.
E ela, pouco depois de iniciar o caso amoroso, recebeu autorização de poder entrar
no armarinho, além de ter se tornado uma das suas vendedoras de casa em casa. Bastou
isso para a amante desviar pequenas peças de ouro. Em seguida, aumentou a
tirada de peças. Quando deu por si, Joaquim Balbino também sentiu não ver o
dinheiro de volta, mas só lamentação da amante, como a de que estava levando muito
cano das freguesas. Vendo-se endividado, Joaquim Balbino teve de implorar a
esposa para vender a casa em que moravam, a fim de ele saldar dívidas, pois os
credores já lhe cobravam aborrecidos.
- De jeito nenhum. De jeito nenhum. - protestou dona Tertuliana Balbino,
chorando na cozinha, antes do marido ir trabalhar. E alertou-o - Eu sempre te
disse, desde o início, Joaquim: bem que o padre Cícero tinha razão quando dizia
pro povo: Jogo, mulher, cachaça: um trio de perdição.
Por causa dessa frase do padre Cícero Romão Batista, Joaquim Balbino, por vontade própria, resolveu mudar de vida. Antes de ir para o seu armarinho, dirigiu-se até a igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Ajoelhado diante do túmulo do padre Cícero Romão Batista, prometeu-lhe, bem arrependido, que dali em diante não seria um cachaceiro, nem um jogador, nem um mulherengo. Ao se levantar decidido a cumprir a promessa, levantou os olhos para o alto, a fim de reafirmar a promessa a Mãe do Perpétuo Socorro, dentro do nicho. Decidiu, então, retornar para sua residência, a fim de refletir sobre a sua grande decisão.
***
Morreu Joaquim Balbino cumprindo a sua promessa. Dia antes de morrer, já viúvo há dois anos, ele se sentou com dificuldade na cama, com o apoio de dois travesseiros. Diante da filha mais velha e do seu genro, procurou falar algo, porém se calou. Mas a filha quis saber o que o pai desejava confessar.
Joaquim Balbino pediu ao casal se aproximar mais perto dele, junto à cama. Apertando o braço direito da filha, e de voz cansada, declarou-lhes: “Sei que vou deixar meu Juazeiro, minha querida filha Maria Luíza e meu querido genro Jonas. Eu faço um pedido aos dois: não deixem de divulgar essa frase do meu padrinho Cícero: Jogo, mulher, cachaça: um trio de perdição”.
Ao acabar de ouvir o sogro, Jonas Figueiredo saiu da casa, a fim de abrir o armarinho no Mercado Central, até meio-dia, já que era sábado. Saiu pensativo, acompanhado de duas decisões: a de prosseguir com o armarinho aberto e tomar de conta dos negócios da família. E a de propagar a quem quer que fosse a frase do padre Cícero, já que ela, segundo ele, fora a causadora da conversão do sogro e da sua salvação no outro mundo.
JN.Dantas de Sousa, Eurides